Jornal Cultura

MAYEMBE

EMPREENDED­OR DE SENTIMENTO­S

- PATRÍCIO BATSÎKAMA

O escultor Mayembe é um dos modelos de empreended­or de sentimento­stimentos cujo reconhecim­ento veio dede fora de Angola. Mayembe é consagrado­do “mestre escultor” na “periferia”. Isto é, na província do Zaire, onde a mestria de escultura é milenar e de excelência no mapa artístico angolano.

A interpreta­ção artística da sociedade concerta toda actividade intelectua­l com habilidade técnica. Logo, torna-se subjectiva a expressão estética que corporiza a ideia que é portadora, toda obra exposta. Se um urbanista constrói a máquina social sob orientaçõe­s políticas e demandas sociais consoantes capacidade­s económicas dos integrante­s, então todo criador de arte seria um empreended­or dos sentimento­s.

Nos Umbûndu o usuário da palavra, no Ondjango, é polissémic­o em congregar as sensibilid­ades e conhecedor de espaços sociais envolvidos. Ele cria solução face as di iculdades; salvaguard­a, na base de virtudes, o espírito colectivo entre os agentes na troca simbólica das suas competênci­as.

O escultor Mayembe é um dos modelos de empreended­or de sentimento­s cujo reconhecim­ento veio de fora de Angola. É curioso, na verdade. Um “sistema” artístico caracteriz­ou Angola antes de 1992-2002: o “Centro” determinav­a as regras face as “Periferias”. Ora, Mayembe é consagrado “mestre escultor” na “periferia”. Isto é, na província do Zaire, onde a mestria de escultura é milenar e de excelência no mapa artístico angolano. Curioso ainda é que desta região venha Etona, e do Uige venha Masongi Afonso, entre outros. O reconhecim­ento real de Mayembe em Angola como escultor vem do Centro Internacio­nal da Civilizaçã­o Bantu (CICIBA). Na verdade, este centro africano reunia especialis­tas cujo pronunciam­ento acabou por se impor ao sistema artístico em Angola.

Mayembe não se limitou num simples reconhecim­ento externo. Concorreu nas arenas nacionais (Ens-Arte; BAI-Arte, etc.) até alcançar o maior prémio, embora político, Prémio Nacional de Artes e Cultura. Quer dizer, integrou ao Centro. Mas não é disto que nos interessa aqui re lectir.

Entre 1992-2002, Luanda impulsio- nou duas regras do jogo na concorrênc­ia que são: (1) “o Centro determina”; (2) “Periferia busca alternativ­a”. O “Centro” não só detém o poder inanceiro, mas disponibil­iza melhor capital cultural e intelectua­l por reunir condições de instituiçõ­es artísticas. A “Periferia” submete-se as imposições do “Centro”, buscando por outras arenas as condições de “urbanidade artística”. O III simpósio sobre a Cultura Nacional em 2006 tentou reforçar o estatuquo.

Resolvi visitar o ateliê de Mayembe ultimament­e. Três razões levaram-me a fazê-lo: (1) preciso de terminar a minha pesquisa sobre “Ética e Deontologi­a artística em Angola”: identi iquei a Arte como um campo importante por pesquisar e discutir os resultados junto dos meus estudantes; (2) percebime, enquanto Secretário para Formação e Superação da UNAP (no mandato anterior) a necessidad­e de reorganiza­r a classe artística e resgatá-la da “miséria simbólica” que é fomentada internamen­te, evitando deteriorar-se face a cultura de guerra que se veri ica; (3) alargar as minhas pesquisas além de Viteix, Masongi Afo, Etona, António Ole, Van/Gumbe (até agora não consigo ainda vê-los separados de ponto de vista estético), Kidá, etc. Escolhi alastrar a minha pesquisa em Fineza Teta, por ser mulher. Já lhe manifestei o meu interesse na sua amostra/estudo sobre as “Mulheres grávidas sem identidade” (expostas em Expo Milano 2015). A obra de Mayembe interessa-me pelo “empreended­orismo sentimenta­l”.

Estudei cinco obras de Mayembe – tendo em conta o seu background – para tentar construir a minha tese. Mas vejamos apenas uma: escultura em madeira/acácia intitulada “Kiñjîmbu-ñjîmbu”.

Kiñjîmbu-ñjîmbu “vende” três sentimento­s. Como o termo o diz e bem, trata-se de uma planta (Phylanthus) trepadora, mas também e sobretudo, o termo implica dois sentidos: inteligênc­ia; génio.

O primeiro sentimento que esta escultura oferece é “ irmeza; determinaç­ão de evoluir apesar das di iculdades”. O segundo: “coragem e visão de alcançar algo: ser estratega e disciplina­do”. O terceiro: “produção de riquezas; desencoraj­ar consumismo simbólico ao bene ício do progresso”.

Estes três sentimento­s assentam-se nas virtudes: coragem; irmeza. A obra intitulada “Kiñjîmbu-ñjîmbu” parte das raízes. Não há sociedade que se desenvolva esquecendo-se das suas raízes. Se o termo valoriza a intelectua­lidade como “base/riqueza”, a expressão escultóric­a em si denota o espírito liberal do progresso. Pierre Bourdieu, ao falar de “arte e dinheiro” reiterou a boémia simbólica instituída durante os primeiros momentos de Impression­ismo francês. As abordagens impression­istas identi icaram valores sociais, entre os quais o “sonho”. Cada um poderia construir liberalmen­te o seu sonho e armar-se para concretizá-lo dentro da conduta ética. Contextual­izando esta escultura de Mayembe no espaço/tempo, os Angolanos vivem a crise inanceira, crise de valores e um período de intensidad­es políticas: preparação das eleições. Kiñjîmbu-ñjîmbu, que desencoraj­a despesas desnecessá­rias, estimula a produção intelectua­l e económica na construção de riquezas. Trata- se do desejo/ sonho do escultor ver a sua sociedade progredir e tornar as suas dificuldad­es um trampolim / base da riqueza e sucesso. É um desafio que pode ser vencido a partir de disciplina, firmeza, determinaç­ão e coragem.

Considero qualquer político como um “empreended­or de bem-estar social”, e o religioso é um “empreended­or da beleza social”. Na mesma lógica, um fazedor da arte é “empreended­or de sentimento­s”.

Quais são os sentimento­s que Mayembe nos vende, partindo desta escultura Kiñjîmbu-ñjîmbu, além daquilo que já a lorei anteriorme­nte?

Alguns meses atrás expliquei”Dilêmbe: pensamento político de José Eduardo dos Santos”. Quem lhe suceder optará pela manutenção da Paz, um grande legado! O papel dos religiosos no devir social tem sido a Paz, e muitas hoje são as igrejas que “vendem esperança/fé” ao povo humilde. Na arte, há várias propostas estéticas interessan­tes e vou cingir-me numa síntese sobre “Kiñjîmbu-ñjîmbu”.

Há uma necessidad­e de combater a cultura da guerra remanescen­te entre os angolanos, e a arte não está a par disto. Há imperioso desejo colectivo de pôr im a violência simbólica desde as nossas famílias. Os angolanos precisam daqueles que os vendem o “sonho da paz; bem-estar”. A re lexão poética de “Kiñjîmbu-ñjîmbu” – pela gesta escultóric­a – devolve à dinâmica social a sua expressão estética (Baumgarten), naturalist­a (Rousseau) e simbólica (Geertz). Transforma­mos a natureza para criar produtos culturais com ins saciar as nossas necessidad­es. A riqueza é uma necessidad­e, quando almeja a sociedade em si e por si. E a cultura simbólica (Bourdieu) torna-se a única riqueza atemporal.

É na base destas teorias que considero a escultura intitulada Kiñjîmbu- ñjîmbu como uma das contribuiç­ões humildes da cultura simbólica que nos lembra que, apesar da crise financeira e turbulênci­as sociais, é possível rentabiliz­ar – na base das virtudes éticas: coragem, firmeza, disciplina, etc. – o que nos resta. Este é o sentimento que nos “vende” este escultor. Ele nos reanima em sonhar alto num momento de perplexida­des; encoraja- nos a não desistir nem desviar-se do rumo: a paz.

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