MAYEMBE
EMPREENDEDOR DE SENTIMENTOS
O escultor Mayembe é um dos modelos de empreendedor de sentimentostimentos cujo reconhecimento veio dede fora de Angola. Mayembe é consagradodo “mestre escultor” na “periferia”. Isto é, na província do Zaire, onde a mestria de escultura é milenar e de excelência no mapa artístico angolano.
A interpretação artística da sociedade concerta toda actividade intelectual com habilidade técnica. Logo, torna-se subjectiva a expressão estética que corporiza a ideia que é portadora, toda obra exposta. Se um urbanista constrói a máquina social sob orientações políticas e demandas sociais consoantes capacidades económicas dos integrantes, então todo criador de arte seria um empreendedor dos sentimentos.
Nos Umbûndu o usuário da palavra, no Ondjango, é polissémico em congregar as sensibilidades e conhecedor de espaços sociais envolvidos. Ele cria solução face as di iculdades; salvaguarda, na base de virtudes, o espírito colectivo entre os agentes na troca simbólica das suas competências.
O escultor Mayembe é um dos modelos de empreendedor de sentimentos cujo reconhecimento veio de fora de Angola. É curioso, na verdade. Um “sistema” artístico caracterizou Angola antes de 1992-2002: o “Centro” determinava as regras face as “Periferias”. Ora, Mayembe é consagrado “mestre escultor” na “periferia”. Isto é, na província do Zaire, onde a mestria de escultura é milenar e de excelência no mapa artístico angolano. Curioso ainda é que desta região venha Etona, e do Uige venha Masongi Afonso, entre outros. O reconhecimento real de Mayembe em Angola como escultor vem do Centro Internacional da Civilização Bantu (CICIBA). Na verdade, este centro africano reunia especialistas cujo pronunciamento acabou por se impor ao sistema artístico em Angola.
Mayembe não se limitou num simples reconhecimento externo. Concorreu nas arenas nacionais (Ens-Arte; BAI-Arte, etc.) até alcançar o maior prémio, embora político, Prémio Nacional de Artes e Cultura. Quer dizer, integrou ao Centro. Mas não é disto que nos interessa aqui re lectir.
Entre 1992-2002, Luanda impulsio- nou duas regras do jogo na concorrência que são: (1) “o Centro determina”; (2) “Periferia busca alternativa”. O “Centro” não só detém o poder inanceiro, mas disponibiliza melhor capital cultural e intelectual por reunir condições de instituições artísticas. A “Periferia” submete-se as imposições do “Centro”, buscando por outras arenas as condições de “urbanidade artística”. O III simpósio sobre a Cultura Nacional em 2006 tentou reforçar o estatuquo.
Resolvi visitar o ateliê de Mayembe ultimamente. Três razões levaram-me a fazê-lo: (1) preciso de terminar a minha pesquisa sobre “Ética e Deontologia artística em Angola”: identi iquei a Arte como um campo importante por pesquisar e discutir os resultados junto dos meus estudantes; (2) percebime, enquanto Secretário para Formação e Superação da UNAP (no mandato anterior) a necessidade de reorganizar a classe artística e resgatá-la da “miséria simbólica” que é fomentada internamente, evitando deteriorar-se face a cultura de guerra que se veri ica; (3) alargar as minhas pesquisas além de Viteix, Masongi Afo, Etona, António Ole, Van/Gumbe (até agora não consigo ainda vê-los separados de ponto de vista estético), Kidá, etc. Escolhi alastrar a minha pesquisa em Fineza Teta, por ser mulher. Já lhe manifestei o meu interesse na sua amostra/estudo sobre as “Mulheres grávidas sem identidade” (expostas em Expo Milano 2015). A obra de Mayembe interessa-me pelo “empreendedorismo sentimental”.
Estudei cinco obras de Mayembe – tendo em conta o seu background – para tentar construir a minha tese. Mas vejamos apenas uma: escultura em madeira/acácia intitulada “Kiñjîmbu-ñjîmbu”.
Kiñjîmbu-ñjîmbu “vende” três sentimentos. Como o termo o diz e bem, trata-se de uma planta (Phylanthus) trepadora, mas também e sobretudo, o termo implica dois sentidos: inteligência; génio.
O primeiro sentimento que esta escultura oferece é “ irmeza; determinação de evoluir apesar das di iculdades”. O segundo: “coragem e visão de alcançar algo: ser estratega e disciplinado”. O terceiro: “produção de riquezas; desencorajar consumismo simbólico ao bene ício do progresso”.
Estes três sentimentos assentam-se nas virtudes: coragem; irmeza. A obra intitulada “Kiñjîmbu-ñjîmbu” parte das raízes. Não há sociedade que se desenvolva esquecendo-se das suas raízes. Se o termo valoriza a intelectualidade como “base/riqueza”, a expressão escultórica em si denota o espírito liberal do progresso. Pierre Bourdieu, ao falar de “arte e dinheiro” reiterou a boémia simbólica instituída durante os primeiros momentos de Impressionismo francês. As abordagens impressionistas identi icaram valores sociais, entre os quais o “sonho”. Cada um poderia construir liberalmente o seu sonho e armar-se para concretizá-lo dentro da conduta ética. Contextualizando esta escultura de Mayembe no espaço/tempo, os Angolanos vivem a crise inanceira, crise de valores e um período de intensidades políticas: preparação das eleições. Kiñjîmbu-ñjîmbu, que desencoraja despesas desnecessárias, estimula a produção intelectual e económica na construção de riquezas. Trata- se do desejo/ sonho do escultor ver a sua sociedade progredir e tornar as suas dificuldades um trampolim / base da riqueza e sucesso. É um desafio que pode ser vencido a partir de disciplina, firmeza, determinação e coragem.
Considero qualquer político como um “empreendedor de bem-estar social”, e o religioso é um “empreendedor da beleza social”. Na mesma lógica, um fazedor da arte é “empreendedor de sentimentos”.
Quais são os sentimentos que Mayembe nos vende, partindo desta escultura Kiñjîmbu-ñjîmbu, além daquilo que já a lorei anteriormente?
Alguns meses atrás expliquei”Dilêmbe: pensamento político de José Eduardo dos Santos”. Quem lhe suceder optará pela manutenção da Paz, um grande legado! O papel dos religiosos no devir social tem sido a Paz, e muitas hoje são as igrejas que “vendem esperança/fé” ao povo humilde. Na arte, há várias propostas estéticas interessantes e vou cingir-me numa síntese sobre “Kiñjîmbu-ñjîmbu”.
Há uma necessidade de combater a cultura da guerra remanescente entre os angolanos, e a arte não está a par disto. Há imperioso desejo colectivo de pôr im a violência simbólica desde as nossas famílias. Os angolanos precisam daqueles que os vendem o “sonho da paz; bem-estar”. A re lexão poética de “Kiñjîmbu-ñjîmbu” – pela gesta escultórica – devolve à dinâmica social a sua expressão estética (Baumgarten), naturalista (Rousseau) e simbólica (Geertz). Transformamos a natureza para criar produtos culturais com ins saciar as nossas necessidades. A riqueza é uma necessidade, quando almeja a sociedade em si e por si. E a cultura simbólica (Bourdieu) torna-se a única riqueza atemporal.
É na base destas teorias que considero a escultura intitulada Kiñjîmbu- ñjîmbu como uma das contribuições humildes da cultura simbólica que nos lembra que, apesar da crise financeira e turbulências sociais, é possível rentabilizar – na base das virtudes éticas: coragem, firmeza, disciplina, etc. – o que nos resta. Este é o sentimento que nos “vende” este escultor. Ele nos reanima em sonhar alto num momento de perplexidades; encoraja- nos a não desistir nem desviar-se do rumo: a paz.