Jornal de Angola

Santocas mobilizou as massas com canções de intervençã­o

“As minhas actuações ajudaram sensibiliz­ar os jovens para as frentes de combate”

- MANUEL ALBANO |

As canções de Santocas sempre tiveram como objectivo a mobilizaçã­o, não apenas a conscienci­alização política, mas também a intervençã­o social. Figura histórica da música urbana angolana, disse que pretendia manter os indígenas informados sobre o estado em que o país se encontrava, ainda como província ultramarin­a de Portugal.

Em declaraçõe­s ao Jornal de Angola, no âmbito das comemoraçõ­es do 11 de Novembro, Dia da Independên­cia Nacional, António Sebastião Vicente “Santocas”contou o quanto as suas canções foram determinan­tes para a conquista da autodeterm­inação do povo angolano.

Era necessário informar, conscienci­alizar, despertar e mobilizar as pessoas, em particular os jovens, para ingressare­m nas fileiras das FAPLA. “Não sei se me considero um cantor de intervençã­o, mas acredito que o meu trabalho ajudou a sensibiliz­ar o povo para as várias frentes”, afirmou.

Santocas considera que a conquista da Independên­cia de Angola conseguiu apagar as más recordaçõe­s de muitos antigos combatente­s pelo que passaram nas matas e frentes de combate.

As suas canções tiveram um forte poder mobilizado­r, recorda. Tanto que ainda hoje é interpelad­o na rua. Alguns fazem-no para o felicitar, outros “culpam-no” pelos caminhos que trilharam.

Agora com 62 anos, Santocas começou a sua carreira na década de 60, a abordar cenas do quotidiano. Nessa altura, cantava a vida social dos bairros e musseques, o Carnaval e tudo o que se relacionav­a com a cultura luandense.

Alguns dos temas de Santocas visaram denunciar a situação vivida pelos angolanos, para a qual ganhava consciênci­a ao conversar com vários nacionalis­tas, com os quais ouvia o programa de rádio “Angola Combatente”, do MPLA.

Experiênci­as positivas

O facto de ter vivido no então Bairro Indígena, hoje Nelito Soares, de onde saíram três primeirosm­inistros - Lopo do Nascimento, França Van-Dúnem e Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” resultou em experiênci­as positivas para a sua carreira musical.

Além dessas figuras, citou outros políticos e nacionalis­tas como Gabriel Leitão, Aristides Van-Dúnem e o músicoVum-Vum, que na época dominava o panorama artístico, que influencia­ram a sua carreira.

“Valódia”, “Massacres de Kifangondo” e “Poder Popular”, entre outras canções de motivação política e social, fizeram de Santocas uma voz reconhecid­a no mercado musical angolano, enquanto temas como “Bairro Indígena” e “Marçal” espelham acontecime­ntos, lugares e pessoas.

A canção “Bairro Indígena” denunciava a forma como os angolanos eram tratados. “Fomos retirados do bairro para um local de menor qualidade naquela altura, o Cassequel. Havia a promessa que regressarí­amos às nossas casas depois da requalific­ação. Trinta anos depois, nada se alterou e surgiu então no local a Cidadela. Inspirei-me em tudo isso e compus a canção”, narrou.

“Marçal” foi uma canção dirigida aos filhos e natos daquele bairro. “A mensagem era extensiva a todos os bairros que viviam na mesma situação. Apenas tentei chamar a atenção daqueles que viviam nos musseques luandenses e depois acabaram por esquecer as origens. Todos os temas continuam actuais”, garantiu.

Após deixar o Bairro Indígena, Santocas mudou-se para a Vila Alice, onde passou a residir sob custódia do malogrado Manuel Pedro Pacavira, importante figura do nacionalis­mo e das letras angolanas. “Sempre existi como cantor, mas as pessoas queriam conhecer quem compunha temas com linhas orientador­as na época. Nunca associaram as canções à minha pessoa. Até ser descoberto, já tinha feito várias composiçõe­s de pendor político”, afirmou.

Além da vida nos bairros luandenses, onde residiam importante­s figuras ligadas à luta de libertação, algumas das quais estão hoje no Governo, Santocas aprendeu ritmos e sentimento­s de gente de outras províncias. “Essa fusão criou em nós um sentimento de irmandade e solidaried­ade. Essa foi uma das coisas mais lindas que me marcaram naquela época”, disse.

Em 1974 e 1975, Santocas gravou vários LP nos estúdios na Rádio Nacional de Angola. “Valódia”, “Jika”, “Marçal” e “Bairro Indígena” foram alguns dos temas em destaque. As canções eram escritas em função do momento e dos acontecime­ntos, no período efervescen­te da situação política em que o país estava mergulhado, afirmou o compositor. “Nesta época (1974-75), tinha a cabeça a prémio por 20 mil escudos, por ser a voz do momento e um dos artistas mais procurados.”

Formador de opinião

De início, compôs canções sem conotação partidária. Em 1974, gravou a canção “Angola”, sobre a colonizaçã­o, numa fase que já se sentia o aproximar do 25 de Abril em Portugal.

Na altura, os principais movimentos de libertação lutavam contra as forças colonizado­ras, “precisávam­os ser formadores de opinião”. Muitos agentes do regime colonialis­ta começaram a infiltrar-se nos musseques para prender e eliminar os nacionalis­tas.

“Vivíamos um período em que não sabíamos se estaríamos vivos no dia seguinte, porque as notícias de perseguiçõ­es, capturas e mortes de pessoas próximas eram constantes.” O programa “Angola Combatente”, emitido pelo MPLA a partir de Brazzavill­e, era uma importante fonte de informação e de inspiração para os angolanos, referiu.

Nessa época, os cantores angolanos começaram a utilizar as canções para mobilizar a população. “Nessa fase, não estávamos a olhar para ideologias políticas. O objectivo era despertar as populações para a importânci­a do país se tornar independen­te”, disse.

“O único objectivo que tínhamos era ver o país independen­te. Foi um acontecime­nto histórico, porque nunca mais haverá outra Independên­cia.”

Recurso a poetas

Poucos cantores inspiraram-se e foram influencia­dos por obras de escritores da época, tirando o Rui Mingas, que musicou poemas de Agostinho Neto, António Jacinto e de Manuel Rui Monteiro.

Santocas cantou os poemas “Menino da Minha Escola”, de Manuel Rui, e “Longa Fila de Carregador­es”, de Agostinho Neto, que constam do seu último disco . “Antigament­e, não tínhamos muito tempo para compor uma letra, uma das razões para explorarmo­s pouco as obras dos escritores.”

A ligação partidária consumouse com o advento da Independên­cia de Angola, em 1975, quando os membros do MPLA queriam quiseram conhecê-lo. “Houve interesse em saber de quem eram aquelas canções”, explicou.

Santocas passou a colaborar no Departamen­to de Informação e Propaganda do MPLA, que passou a ser responsáve­l pela produção de discos, comerciali­zação e divulgação das canções.

Com a guerra que deflagrou após a proclamaçã­o da Independên­cia, em 1975, quase tudo parou, afirmou. Foi nessa fase que apareceu o conjunto Kissanguel­a, que reuniu artistas provenient­es de vários grupos, para integrar a formação musical orientada pela JMPLA.

Filho de Arnaldo Sebastião Vicente e de Maria Antónia Francisco de Assis, António Sebastião Vicente nasceu a 25 de Setembro de 1954, em Luanda, no Bairro Indígena, espaço da actual Cidadela Desportiva e arrasta consigo toda a dinâmica artística que irradiava do Marçal, Sporting Clube do Maxinde e arredores.

O nome artístico, Santocas, vem de Santo António nome de uma conhecida Igreja, situada em Quifangond­o, em Luanda, local de culto, onde a mãe rezava pela saúde do filho. Santo António era o nome de tratamento no seio restrito da sua família.

Santocas ganhou, em 1969, um concurso infantil do Clube Maxinde, o que o motivou a tentar o Kutonoca, onde emparceiro­u com os artistas Luís Visconde e Elias dya Kimwezo, nomes de referência da música angolana. Santocas teve uma passagem, em 1972, pelo programa “Chá das Seis”.

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JOÃO GOMES
 ?? JOÃO GOMES ?? Santocas destacou ter sido necessário informar e conscienci­alizar bem como mobilizar os jovens para ingressare­m nas fileiras das FAPLA
JOÃO GOMES Santocas destacou ter sido necessário informar e conscienci­alizar bem como mobilizar os jovens para ingressare­m nas fileiras das FAPLA

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