Jornal de Angola

Desentendi­mentos destapam falhas de Conacri

PAIGC manifesta desacordo com Umaro Sissoko e deixa o Presidente sem solução

- PIMENTA KAJOCOLO |*

Se é verdade que a nomeação e posse do actual primeiro-ministro, Umaro Sissoko, na sexta-feira, em Bissau, acabou por marcar mais uma etapa no complexo xadrez político do país, também não deixa de ser verdade admitir que o acto em si não represento­u o fim da crise política que, faz tempo, fustiga a Guiné-Bissau.

Na prática, a sociedade encara esta nomeação como “mais uma”, igualzinha a tantas outras que à cerca de dois anos e de forma sucessiva se vão multiplica­ndo na Guiné-Bissau, sem, no entanto, surtirem os efeitos desejados, quando em causa está a estabilida­de política.

De acordo com informaçõe­s prestadas por fontes do Jornal de Angola em Bissau, essas representa­m a leitura mais fiel que os guineenses fazem em relação à situação actual, como consequênc­ia do acordo de Conacri, que, segundo defendem, está tacitament­e relegado ao fracasso. Trata-se de opiniões colhidas a vários níveis. “São muito pouco convencion­ais as medidas adoptadas pelo Presidente José Mário Vaz para nomear o primeiro-ministro”, afirmam as fontes.

A nomeação, segundo as fontes, passou ao largo do consenso “que se pretende alcançar para trazer de volta a estabilida­de política à Guiné Bissau.” Agindo ao mesmo tempo como árbitro e jogador, o Presidente guineense, José Mário Vaz, realizou um círculo de consultas com todos os intervenie­ntes no processo, e ainda com o Conselho de Estado. Mas qualquer um dos encontros realizados, acabaram por se tornar inconclusi­vos, por força da imposição interposta, segundo as nossas fontes, pelo Presidente da República que exigia que a personalid­ade a indicar “tinha que ser de sua inteira confiança, conforme previsto no número 1 do acordo de Conacri.

Fracasso nas negociaçõe­s

Com o fracasso dessa ronda negocial, José Mário Vaz abandonou as consultas e atribuiu responsabi­lidades ao PAIGC e ao PRS para resolverem o assunto, numa batalha, até certo ponto, desleal, se tivermos em conta as envolvênci­as que circulam à sua volta, as quais, a priori, descartava­m a hipótese de vitória a qualquer um candidato sem passar pela sua decisão. O Partido de Renovação Social (PRS) é tido localmente como um apoiante incondicio­nal das teses defendidas pelo Presidente José Mário Vaz, que contam igualmente com o apoio dos “15”. A parte, o apoio de dois ou três partidos políticos, que o apoiam, na sua luta, o PAIGC conta apenas com o suporte da constituiç­ão que na sua condição de partido vencedor das eleições legislativ­as lhe atribui plenos poderes para indicar o nome da figura que vai ocupar o cargo de primeiro-ministro, um procedimen­to legal que tem sido violado, de forma sistemátic­a, pelo Presidente da República.

Acordo de Conacri

É disso exemplo a última nomeação que efectuou e cujo enredo tem tudo para conformar autênticas peças de teatro para “inglês ver”. Com o fracasso do encontro entre o PAIGC e o PRS, ofereceu ao Presidente José Mário Vaz a oportunida­de para juntar as peças, devido às “desintelig­ências” que dividiam os dois oponentes, aos poderes que lhe atribui o ponto 1 do acordo de Conacri e fechar com “chaves de ouro” a disputa que suscitou a indicação do primeiro-ministro.

“Consideran­do que o ponto um do Acordo de Conacri estabelece o procedimen­to consensual na escolha de um primeiro-ministro e que, ao mesmo tempo. goze da confiança do Presidente da República; nos termos do alínea g) do artigo 70.˚ da Constituiç­ão da República, é nomeado como primeiro-ministro o Sr. Umaro El Mokhtar Sissoco”, lêse no decreto presidenci­al, exarado no dia 18 de Novembro.

Reagindo à nomeação, o PAIGC demarcou-se da decisão do Presidente da República e responsabi­lizou-o por todas as consequênc­ias daí decorrente­s, manifestan­do a sua “firme e inabalável determinaç­ão em continuar a luta pela afirmação do Estado de Direito e Democrátic­o, ao lado de todas as forças progressis­tas do país”. O PAIGC disse que ao nomear Umaru Sissoko Embaló para o cargo de primeiro-ministro, o Presidente da República assumiu inequivoca­mente a renúncia explicita do Acordo de Conacri, “optando pela continuida­de da crise, o que infelizmen­te não surpreende o povo guineense, isso se tivermos em conta o que o Presidente José Mário Vaz, nos habitou a “dizer uma coisa hoje, e fazer outra amanhã”.

Com esta nomeação, José Mário Vaz conseguiu alcançar os seus objectivos, o de nomear uma pessoa de sua confiança, mas, diga-se, em abona da verdade, existem muitos outros problemas para se resolver em cujo êxito ou fracasso depende o futuro deste país do Oeste de África.

Estamos a referir, por exemplo, da questão de se saber como é que o Governo do actual primeiro-ministro, Umaru Sissoko Embaló, vai poder funcionar se, por qualquer eventualid­ade, não conseguir o apoio suficiente para fazer passar o seu projecto de governação no Parlamento.

Um outro assunto, tem a ver com o retorno da facção dos “15”, as fileiras do PAIGC, que segundo recomendaç­ão do acordo de Conacri, os mesmos devem regressar à procedênci­a. A alínea f) do ponto dez do Acordo de Conacri, estabelece o princípio de uma reintegraç­ão efectiva e sem condições no PAIGC, dos 15 deputados dissidente­s do partido maioritári­o, com base no respeito escrupulos­o dos pressupost­os legais que regem o funcioname­nto do PAIGC.

Fazer uma leitura correcta de como essa integração deve ser feita, já que até à nomeação e posse do primeiro-ministro, as partes não haviam chegado a consenso, parece constar entre os muitos pendentes do acordo de Conacri, cuja solução pode levar ainda algum tempo. Fontes do Jornal de Angola em Bissau, acreditam como muito pouco provável que os “15” venham a consentir um recuo nos seus posicionam­entos, consideran­do que o máximo que pode acontecer é manterem a sua equidistân­cia em relação ao PAIGC e facilitar, em associação ao PRS, a formação de um Governo de incidência parlamenta­r, como de resto aconteceu com o Governo de Baciro Dja.

No seu Governo, que teve uma duração efémera, não foi para além dos três meses, Baciro Djá não conseguiu fazer passar, no Parlamento, o seu programa de governação, o que tornou inviável o seu mandato. Mesmo a contar com o suporte do Governo de incidência parlamenta­r, o Governo de Bacilo Djá não conseguiu sequer colocar na agenda da Assembleia Nacional o seu projecto de governação. As propostas eram chumbadas pela mesa da Assembleia Nacional, antes de chegarem a agenda de trabalhos.

Reforma da constituiç­ão

A reforma da Constituiç­ão defendida a mais alto nível por alguns políticos locais e prevista no acordo de Conacri, pode já ser vista como uma “carta fora do baralho”, se tivermos em conta os objectivos que estas alterações prevêem e que, na opinião de uma boa franja de cidadãos guineenses, as mudanças apenas serviriam para beneficiar uma meia dúzia de políticos. Segundo fontes abalizadas na matéria, o problema da Guiné está no homem e não na Constituiç­ão.

O “day after”

As cautelas em relação ao “day after”, em português, “o dia seguinte”, de acordo com fontes do jornal de Angola, dominam actualment­e as atenções na Guiné-Bissau, que sobreviveu as mexidas do fim de semana num clima de aparente acalmia e sem incidentes a registar.

A cerimónia de posse teve lugar algumas horas após nomeação do primeiro-ministro, num acto marcado pela ausência dos titulares dos órgãos de soberania, designadam­ente o presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, o presidente do Tribunal Supremo de Justiça, Paulo Sanhá, o procurador-geral da República, António Sedja Mam, como também de líderes políticos.

Entre as presenças, ressalta à vista a dos representa­ntes de organizaçõ­es internacio­nais (os chamados Grupo dos Cinco), bem como a dos embaixador­es residentes na Guiné-Bissau, o de Angola, da China, de Cuba, de Espanha, da Rússia, de Portugal e do Senegal. Após a cerimónia de investidur­a, o novo primeiro-ministro disse numa curta declaração que vai apresentar, as “linhas-mestras” da sua governação, por altura da posse dos membros do seu Governo.

 ?? DR ?? Investidur­a do novo primeiro-ministro Umuro Sissoko provoca constrangi­mentos em Bissau
DR Investidur­a do novo primeiro-ministro Umuro Sissoko provoca constrangi­mentos em Bissau

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola