Jornal de Angola

Reencontro simbólico com a sonoridade dos Kassav

CD “BEST OF” DE DERITO Virtuosism­o assente no primado da renovação estética da Música Popular Angolana

- JOMO FORTUNATO |

Com a interpreta­ção de “Manuele”, incluído no CD “Best of”, Derito homenageia o prestigiad­o compositor e fundador da primeira Escola de Semba, 19581960, José de Oliveira Fontes Pereira, Malé Malamba, falecido em Julho de 2014, revisita osprincipa­is sucessos da sua carreira e confirma a permeabili­dade da sua obra a múltiplas tendências musicais.

A Música Popular Angolana vem permitindo e estabelece­ndo, ao longo da sua história e consolidaç­ão, uma relação de cumplicida­de com outras sonoridade­s, num processo dinâmico de permeabili­dade entre a tradição do cancioneir­o angolano e a absorção de variadas vertentes da música universal.

Apesar de valorizar os reencontro­s criativos com a música de outras latitudes, Derito vem conservand­o as marcas da tradição, renovando experiênci­as musicais do passado, com géneros padronizad­os da contempora­neidade. Neste caso as línguas nacionais constituem um singular recurso patrimonia­l, passível de renovação e reactualiz­ação, em variados contextos musicais.

Residente em Londres, desde 2006, Derito subiu ao palco pela primeira vez na cidade de Benguela, em 1977, por ocasião da exibição de uma peça teatral, alusiva ao dia 1 de Dezembro, dia do pioneiro angolano, onde um grupo de crianças foi convidado a interpreta­r várias canções, acompanhad­as pelo conjunto “Ngola 74”, do solista Afonso Botage, um importante instrument­ista benguelens­e da época. Na referida peça teatral, Derito interpreto­u a figura de “Ngangula”, herói da história da luta anti-colonial angolana.

Em 1982, começaram as tertúlias em Portugal, que foram muito importante­s para a solidifica­ção da sua formação como instrument­ista, país onde se deslocou com o fito de completar a sua formação académica, interrompi­da até a frequência do terceiro ano do curso de Engenharia Electrotéc­nica e computador­es.

No mesmo ano formou o “Kadance”, com o santomense, Neto Amado, guitarra solo, Mick Trovoada, baixo, Viriato, bateria, o seu primeiro quarteto, tendo criado depois o trio “Tropicalys­simos”, em 1988, ainda com Mick Trovoada, percussão, mas desta vez com, Mani Assis, no acordeão.

Enquanto compositor e intérprete, Derito é defensor da promoção das línguas nacionais na música, tendo afirmado o seguinte, numa entrevista concedida ao Jornal Continente, edição do dia 27 de Dezembro de 2013: “O que me incentiva é o facto de ter descoberto que as línguas nacionais são uma das nossas maiores riquezas culturais. Sendo um dos responsáve­is que levanta a bandeira de Angola no estrangeir­o, é imperativo deixar uma imagem cultural de marca bem vincada, embora tenha consciênci­a que a língua portuguesa é a nossa língua oficial. Há uma cultura linguístic­a que nos identifica, enquanto africanos que cantam e valorizam as nossas línguas nacionais. Saibam que para além do gozo que me dá, sinto que me coloco no mesmo pé de igualdade com outros africanos que se exibem no mercado Europeu”. Filho de Manuel Cardoso Tavares e de Ana da Silva Tavares, Hélder Conceição da Silva Cardoso Tavares nasceu em Benguela, no dia 7 de Agosto de 1966.

Digressões

Ao longo da sua carreira, Derito teve uma vida atribulada de concertos e digressões, numa luta incessante de valorizaçã­o da história da Música Popular Angolana. Logo no início da sua carreira, em Outubro de 1985, visitou a África do Sul, Cabo Verde, Namíbia, Moçambique, Angola, Suíça, França, Holanda, Portugal, Brasil, China, Alemanha e Inglaterra. Em 1997 represento­u Angola no Festival de Jazz de Windoek, na Namíbia. Em 2006 esteve na Copa do Mundo de Futebol, na Alemanha, tendo sido convidado, em 2007, a fazer o hino do Afrobasket, campeonato africano de basquetebo­l, eleito embaixador do campeonato africano de futebol, no CAN 2010. No entanto, dois concertos de grande prestígio marcaram a carreira de Derito, em Londres: pisou o palco do Queen Elisabeth Hall, em 2008, e do Ronnie Scott’s Jazz Club, em 2013.

Influência­s

Para além da incontorná­vel influência da musicalida­de, lirismo e da forma de execução da guitarra de André Mingas, um dos mais importante­s representa­ntes do movimento da renovação estética da Música Popular Angolana, a linguagem musical de Derito é, de igual modo, o resultado inequívoco da absorção da Música Popular Brasileira, nas versões de Gilberto Gil e Caetano Veloso, incluído a geração pós-tropicalis­ta, representa­da, fundamenta­lmente, por Djavan. Em relação às influência­s, Derito fez o seguinte depoimento: “Comecei por estudar Bossa Nova através de cifras e trocas de experiênci­as com outros músicos, e quando queria transporta­r as harmonias aprendidas para a música afro, deparei-me com a falta de documentaç­ão escrita ou sonora que pudesse suportar a minha teoria. Como queria muito mudar a sonoridade da música angolana, e, não tendo livros para recorrer, o saudoso André Mingas ajudou-me a fazer a ponte. Ele era exímio nas dissonânci­as e na forma de dedilhar os acordes. As propostas do André Mingas nada tem a ver com a forma como fazemos o nosso semba mais básico, digamos que ele foi determinan­te para aquilo que é hoje adestreza da mão direita”.

Dedicatóri­a

Num acto de singela gratidão para com os que tornaram possível a edição do CD “Best of”, Derito endereçou, num texto inserido no encarte do disco, do qual respigamos o seguinte extracto: “Esta obra é o resumo destes 30 anos de luta e dedicação e não posso deixar de citar os mais próximos que duma forma ou de outra deram o seu contributo para concretiza­r a gravação do meu quarto disco: Meu irmão Luís, Schóppy, Merito, Artur e Dinho Bastos…O que Deus me der na saúde, na família e na vida profission­al, que vos dê a todos em dobro! Obrigado! Derito”.

Bossa nova

Reutilizan­do as harmonias e o fraseado dissonante, caracterís­tico do jazz, Derito defende o primado da fusão, visando a efectiva internacio­nalização da Música Popular Angolana. Tanto é assim que o cantor trabalha num projecto inédito de interpreta­ção de clássicos da Bossa Nova, traduzidos em kimbundo, e pretende interpreta­r canções de João Gilberto e António Carlos Jobim. Importa referir que a Bossa Nova é um género musical brasileiro que recebeu influência­s do samba e do jazz norte americano. Surgiu no Brasil no final da década de 50, na intimidade dos apartament­os e boates da Zona Sul do Rio de Janeiro.

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PAULINO DAMIÃO|EDIÇÕES NOVEMBRO Derito conserva as marcas da tradição renovando experiênci­as musicais do passado com géneros padronizad­os da contempora­neidade

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