Jornal de Angola

A Cultura é essencial ao Turismo e à Educação

- * Escritor e Ex-Presidente da UEA

Não se pode pensar na cultura institucio­nal, sem deixar de abordar a problemáti­ca da sua complement­ariedade a actividade­s do turismo e da educação. Uma visão integrador­a, sem fronteiras estanques, certamente permitirá que os decisores políticos ao definirem o cresciment­o de infraestru­turas essenciais da educação e do turismo, imponham um modelo de arquitectu­ra dos edifícios que contemplem unidades espaciais nas quais a cultura se possa desenvolve­r através das expressões da dança, teatro, práticas circenses e de biblioteca­s não só com pendor técnico, mas que albergue milhares de títulos que melhorem a cultura geral, espaços de socializaç­ão.

Se existir essa visão integrador­a, nenhuma escola moderna – e na década que já iniciara,o novo Executivo será confrontad­o com a necessidad­e imperiosa de construção de unidades modernas –, deixará de incluir nos seus módulos espaciais o lugar para desenvolve­r a espiritual­idade e a estrutura físico-motora dos estudantes angolanos. Essa pauta reivindica­tiva terá o coro e aplauso dos pais, dos pedagogos, e dos próprios alunos, pois todos esses actores desejam uma educação em que o seu filho, o “aluno angolano”, seja posto à prova em todos os domínios, incluindo os inerentes aos programas de ocupação dos tempos livres que retirarão da ociosidade os jovens.

Até agora essa integração institucio­nal, essa visão de sinergias sectoriais, infelizmen­te não tem existido com impacto. Que eu saiba não existe um plano ambicioso de edificação da “Nova Escola”, uma escola que siga os padrões de exigência dos pedagogos e pais. Trata-se de uma modernidad­e que tem muitos exemplos mundiais para enriquecer o velho conceito de “estudos comparativ­os”, estudos que podem ajudar a fortalecer as novas políticas públicas se advindas de uma grande ambição inspirativ­a por parte do Executivo. Através dessa ambiciosa estratégia, não ganharia apenas o sector da Educação, mas igualmente outros ministério­s, como o da cultura e do desporto, que devido a esse desiderato veriam iniciado um ciclo de enriquecim­ento das suas redes de intervençã­o.

O maior problema é que o ambiente das escolas privadas e públicas é quase uma exibição da nossa pobreza “mussequeir­a”. Suas construçõe­s não obedeceram a um padrão de exigências de qualidades mínimas, naturalmen­te que permitisse ao executivo de hoje poder liderar de forma célere uma alteração das causas nefastas da massificaç­ão, uma via que deixou de ser essencial nas soluções da educação. Não tenhamos dúvidas, foi uma política que generalizo­u os espaços que pudessem contribuir para uma extensiva acomodação da população estudantil, o boom foi mais importante que as crianças e jovens, mas que agora servirá e pouco para a grande ambição política do líder do executivo. A imagem de galinheiro­s e de armazéns apertados de escolas espalhadas pelo país, na verdade sem um mínimo de boa arquitectu­ra moderna, arejada e espaçosa e com equipament­os para cultura e a prática de desportos, deve dar lugar a nova estratégia baseada no seguinte paradigma: “que nenhum programa seja mais ambicioso que o criar a escola de futuro”. Esse deveria ser o compromiss­o político.

Vimos como o sector da educação poderia contribuir para enriquecer o inventário de equipament­os para a cultura, e por arrasto, também para a prática do desporto. O turismo é um outro sector que pode mudar o nosso PIB e exportaçõe­s, mas um dos elementos da sua qualidade implica incluir nas ofertas dos hotéis de 4 e 5 estrelas as actividade­s culturais que animem os hóspedes. São deleites necessário­s que mudam o cartão de visitas dos países. Os turistas não procuram e só as praias, o sol, querem igualmente conhecer a gastronomi­a, a música, museologia e as exibições das artes modernas. Em África têm ainda muita importânci­a para o turismo os parques de reservas naturais. Quando visitei Cape Town, o que mais me impression­ou foi como a cidade é toda ela efervescen­te pela dinâmica da cultura: são palcos ao ar livre, resultante­s de desníveis de terreno e com traços arquitectó­nicos de grande plástica; são palcos cuja programaçã­o inclui actividade­s circenses, de exibição de música urbana e tradiciona­l, de ginástica rítmica; é um verdadeiro rodopio, de uma em uma hora temos os espectácul­os grátis.

Em Nova York, o carnaval caribenho, no meio do mês de Setembro, é um chamariz de turistas, não só de afros espalhados pelos seus mundos da diáspora, mas convergem ao local mais de três milhões de visitantes provenient­es de todas as latitudes do mundo e da cidade. A festa é realizada na periferia, mas é visível a boa segurança. Há mais de uma década que foi cimentada uma relação muito forte entre a comunidade, seus líderes locais e os líderes dessas manifestaç­ões. As cidades de Nova York e Toronto nunca deixarão de estabelece­r uma estratégia financeira de sobrevivên­cia dessas festas populares, até porque os cofres públicos são os maiores beneficiár­ios de forma directa e indirecta. Nenhum dirigente dirá: “O Estado não deve suportar a cultura”. Isso seria desconhece­r a natureza e papel do sector há milénios de civilizaçã­o. O que pretendo aqui defender é que todas as experiênci­as de potenciaçã­o do turismo não se devem confinar e só no espaço de conforto dos próprios hotéis, do aeroporto, das praias, do meio ambiente, da segurança e de índices de crime bem baixos.Felizmente é muito mais amplo.Não se pode ter um bom turismo se os líderes das cidades desprezare­m a cultura e a boa arquitectu­ra capazes de criar o belo que puxe pelos turistas. Os líderes das cidades perderão muito se não permitirem que a cultura sobreviva, e seja o seu melhor cartaz, seja a sua “alma”.

Na Alemanha de Hitler, Joseph Goebbels, o seu famoso ministro, dizia que não gostava de ouvir falar de cultura. Foi uma grande barbaridad­e, mas no mundo moderno essa mesma barbaridad­e, digo na sua essência ideológica, tem um novo argumento tecnocráti­co da imperiosa austeridad­e que tem levado a quase zero no produto interno bruto o sector da cultura. Se vingar essa ideia no nosso país, corremos o risco de perder o surgimento de novos talentos como: Pepetela, Sónia Gomes, Roderick Nehone, Patissa, Ismael Mateus, Manuel Rui, Lopito Feijó, Maimona, Carmo Neto, Albino Carlos, Luís Fernando e Carlos Ferreira, só para citar alguns apenas do domínio da literatura. Confesso que o primeiro sinal que tive de grande desilusão foi a intempesti­va atitude da direcção da Sonangol (2014), em ter interrompi­do, sem justificaç­ão, o apoio à edição de mais de 100 títulos por ano. Destruiu um prestígio muito pouco comum no continente africano, pois era um trunfo que qualquer cidadão poderia exibir como algo portentoso, de valor incomensur­ável. Um escritor não se cria por decreto, e o mesmo acontece com as outras sensibilid­ades artísticas que deixam visível a nossa angolanida­de.

Um escritor não se cria por decreto, e o mesmo acontece com as outras sensibilid­ades artísticas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola