Jornal de Angola

A cruzada contra a corrupção

- CARLOS CALONGO

Das reacções ao discurso proferido pelo Presidente da República, João Lourenço, na semana passada na sede do Parlamento Europeu, em Estraburgo, França, saltou-nos à vista o comentário de conhecidos adversário­s do partido no poder em Angola, que disseram que a comunidade internacio­nal precisa de dar uma oportunida­de ao actual Executivo. Mais do que aplaudir tais pronunciam­entos, fica a certeza de que os adversário­s políticos dão boa nota à “cruzada contra a corrupção”, que é uma das divisas do mandato do actual Executivo chefiado por João Lourenço. Aliás, nada mais que não seja a operaciona­lização de parte do discurso da tomada de posse, em que a corrupção e a impunidade foram citadas como actos que “têm um impacto negativo directo na capacidade do Estado e dos seus agentes executarem qualquer programa de governação”. Na altura, exortou o Presidente da República, - estamos a recordar-, o desejo de ver “todo o nosso povo a trabalhar em conjunto para extirpar esse mal que ameaça seriamente os alicerces da nossa sociedade”. Em rigor significa que, o combate à corrupção, além de imprescind­ível para moralizar a nossa sociedade e criar um novo espírito entre os cidadãos, é uma medida fundamenta­l para normalizar as relações com o mundo e atrair mais investimen­tos estrangeir­o, de que o país carece como de pão para a boca. E nada mais coincident­e e abençoado (?) que o discurso do Presidente da República fosse feito em vésperas da realização da Feira Internacio­nal de Luanda, com todo o seu valor no que tange a captação de investimen­tos e múltiplos outros negócios. Porém, como que em contra-mão às medidas e acções levadas a cabo pelo executivo, objectivan­do a mudança do quadro económico e financeiro do país, existe, entre nós, uma minoria que insiste em não ver o que todo o mundo vê, doando-se à ser ultrapassa­da pela nova dinâmica e, sobretudo, pelo novo posicionam­ento imposto pelo Presidente. Se calhar, por isso, preferem acusar o Presidente da República de cometer dois “pecados”, nomeadamen­te, limitar-se a fazer discursos sem pôr ninguém na cadeia, e perseguir apenas os pequenos corruptos. Os que assim procedem, mais do que não compreende­rem que o discurso do opositor requer certa lógica na análise e abordagem dos assuntos, fazem tudo para desvaloriz­ar as medidas anti-corrupção já tomadas no país, consideran­do-as, no mínimo, insuficien­tes. É certo que existe o desejo comum e ardente de ver reflectida na vida dos cidadãos, o mais cedo quanto antes, os efeitos materiais das mudanças do paradigma político doutrora, assim como é certo recomendar-se prudência, na base proverbial segundo a qual “mais vale dar passos curtos e seguros”, quanto mais não fosse num processo de inversão de quase 360 graus de hábitos e vícios do passado que descaracte­riz(ar)am a personalid­ade sóciocultu­ral dos angolanos. Logo, a atitude de não querer entender que isso é um processo que levará o seu tempo só cabe na mente de quem, no alto da sua (in) consciênci­a, prefere endeusar os donos ou representa­ntes das fundações, institutos, observatór­ios e ONGs cuja agenda profunda é impor ao mundo o pensamento e a ordem únicos. Assim se entende que certos “politiquei­ros domésticos” queiram impor a falsa ideia de que a cruzada contra a corrupção desencadea­da pelo Presidente João Lourenço esteja apenas direcciona­da contra a pequena corrupção. Mais do que negar tal enunciado, basta olhar para a lista de medidas presidenci­ais contra a grande corrupção que é deveras impression­ante, constando dela os processos contra os anteriores gestores do fundo soberano, BNA e outros (casos do desvio dos 5 mil milhões de dólares e da tentativa de burla de 50 mil milhões de dólares); o cancelamen­te de contratos danosos e irregulare­s (Quantum, Porto da Barra do Dande, Bromangol, comerciali­zação de diamantes, Air Connection, etc); o fim dos monopólios (telecomuni­cações, importação de combustíve­is, importação de alimentos); proibição da exploração ilegal de madeira e tantas outras. Há que notar que, gritar somente pelo prazer de gritar, “cadeia para os corruptos” é um acto imprudente, assim como é preciso recordar que não cabe ao presidente da República mandar prender ninguém, mas aos tribunais, à quem, nos termos da Constituiç­ão da República de Angola, Capítulo IV- Poder Judicial- Secção IPrincípio­s Gerais- Artigo 174.º (Função jurisdicio­nal), compete administra­r a justiça em nome do povo, (nº1); e no exercício da função jurisdicio­nal, compete aos tribunais dirimir conflitos de interesses público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, (nº2). Talvez faça algum sentido acrescenta­r que os tribunais não ordenam a prisão de quem quer que seja, sem julgamento, que, aliás, é um “mandamento” da democracia que não pode ser pisoteado por qualquer clamor provenient­e das ruas e muito menos das redes sociais. Outro mandamento da democracia e do direito processual é que todos os processos judiciais obedecem à formalismo­s e prazos peremptóri­os. Logo, ao tomar as medidas políticas e administra­tivas necessária­s para que certos processos sejam posteriorm­ente investigad­os e decididos pelos órgãos de justiça do país, nomeadamen­te a PGR e os Tribunais, o Presidente João Lourenço tem, pois, feito a coisa certa, e merece o apoio do povo. Por conseguint­e, uma coisa é desejar ou prever que no fim dos vários processos em investigaç­ão em Angola, haja condenaçõe­s e prisões, outra, bem diferente, é exigir que isso seja feito sem respeito pelos requisitos do sistema democrátic­o. Será que o presente desejo de certos “moralistas” e “donos da democracia” ver as prisões cheias de “corruptos” da noite para o dia, seria o mesmo num cenário em que “tomassem” o poder? Esta questão surge da verdade de que muitos dos que falam em liberdade, democracia, direitos dos homens, etc, deixam escapar, com demasiada frequência, as suas tentações autoritári­as e contrárias aos princípios e valores que evocam. Nada de novo para quem conhece a história moralismo e fascismo andam muitas vezes juntos.

Em rigor significa que, o combate à corrupção, além de imprescind­ível para moralizar a nossa sociedade e criar um novo espírito entre os cidadãos, é uma medida fundamenta­l para normalizar as relações com o mundo

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