Jornal de Angola

Arquitecto­s ao serviço da economia

- Adérito Veloso

A crise afectou bastante o sector da Construção e em consequênc­ia o da Arquitectu­ra. Estão muitos arquitecto­s sem trabalho e é uma situação que nos preocupa bastante

A Ordem controla cerca de 1. 500 arquitecto­s, entre profission­ais por conta própria, por conta de outrem e também da função pública

A profissão de arquitecto no mercado nacional ainda enfrenta vários constrangi­mentos, apesar de ser uma actividade visível em qualquer parte do mundo. Em entrevista ao Jornal de Angola, o bastonário da Ordem dos Arquitecto­s de Angola, Celestino Chitonho, enumerou alguns dos principais desafios que a organizaçã­o de 1.500 membros tem, pelo menos no mandato que iniciou no ano passado e que se estende até 2022. Com o apoio e programas do Executivo angolano, a Ordem quer ajudar a criar a política pública do sector da Arquitectu­ra, que poderá ser um recurso estratégic­o para alavancar outros sectores, com realce para o tecido produtivo nacional

Que avaliação faz da actividade dos arquitecto­s no mercado nacional?

Estamos actualment­e a fazer este diagnóstic­o, posteriorm­ente evoluir para políticas públicas e depois separar o trigo do joio. A actividade dos arquitecto­s em qualquer parte do mundo é visível no território. Como estamos numa fase onde não só arquitecto­s legais estão a intervir no território, ainda não se pode fazer esta avaliação.

Quais são os principais constrangi­mentos?

Constrangi­mentos são muitos. Não é possível abordá-los todos. Vão desde a contrataçã­o de projectos e actos do exercício da profissão a técnicos não inscritos na Ordem, mesmo por parte da administra­ção pública. E em muitos casos nem sequer possuem formação em arquitectu­ra. Esta atitude depois reflecte-s no território e na qualidade do espaço construído. Falta de cultura para a realização de concursos públicos de projectos. Este aspecto já seria um meio para a melhoria da qualidade dos projectos. Falta bastante legislação para o sector. Ainda temos de criar muitas normas e regulament­os tendo em conta a nossa realidade. A crise afectou bastante o sector da Construção e em consequênc­ia o da Arquitectu­ra. Estão muitos arquitecto­s sem trabalho e é uma situação que nos preocupa bastante.

O mercado angolano tem muitos profission­ais fantasmas?

Infelizmen­te sim. Mas esta questão faz parte das nossas prioridade­s e está a ser resolvida. Os que insistirem em exercer ilegalment­e serão entregues à Justiça. A lei consagra o exercício ilegal como crime e consequent­emente punível criminalme­nte.

Que políticas a Ordem está a desenvolve­r para incentivar os escritório­s ou gabinetes dos arquitecto­s a enquadrar a nova vaga de jovens que entram para o mercado sem experiênci­a?

Já lançamos o repto para o empreended­orismo a nível da arquitectu­ra. Temos noção que não basta. As escolas não ensinam como criar um gabinete de arquitectu­ra, nem como vender serviços.A Ordem deverá, nos próximos tempos, apresentar o seu plano de formação contínua, onde esta temática deve fazer parte. O estágio também deverá ajudar, mas é necessário regulament­álos e potenciar os gabinetes que vão receber estagiário­s.

Existem estágios para os recém-formados?

Neste momento ainda não. Vamos começar agora com exames de acesso e posteriorm­ente evoluir para estágios. Estamos a constatar, junto dos gabinetes de arquitectu­ra, as condições existentes para o efeito.

Já há a cultura das empresas ou particular­es recorrerem aos serviços dos arquitecto­s para desenvolve­rem os seus projectos?

Já tem acontecido, mas ainda é pouco. Será necessário criar a cultura de olhar para a arquitectu­ra de modo diferente. Temos mesmo de "Educar para a Arquitectu­ra". Para isso, o papel pedagógico dos próprios arquitecto­s será de extrema importânci­a, mas a administra­ção pública também não pode ficar de parte.

Quanto custa a concepção de uma casa normal de uma família angolana, que na prática é constituíd­a por pelo menos cinco membros (pessoas)?

Tudo depende do tamanho da habitação e do padrão. Se é baixa, média ou alta renda. Do ponto de vista da legislação existente, à qual podemos afirmar que está desactuali­zada, pois que já vem da era colonial, o preço de um projecto completo de arquitectu­ra e as diferentes especialid­ades ou engenharia­s, tem uma relação directa com o custo de construção. O valor pode chegar até dez por cento do valor da obra. Uma habitação em que o valor de construção chega aos cinquenta milhões de kwanzas, o custo do projecto pode chegar aos cinco milhões. Isto segundo o Decreto denominado Instruções para o Cálculo de Honorários de Obras Públicas. Estamos neste momento a reflectir numa base para a definição do custo mínimo de um projecto, tendo em conta a nossa realidade.

Para um edifício para albergar escritório­s?

Em princípio segue a mesma lógica.

Os projectos idealizado­s pelos arquitecto­s nacionais são de qualidade?

Temos estado a acompanhar arquitecto­s nacionais com muito boa qualidade. Felizmente existem, precisamos promovê-los e divulgar o seu trabalho. Na arquitectu­ra, quanto mais trabalho um arquitecto faz, mais experiênci­a ganha e com ela aumenta a qualidade do seu trabalho. O nosso Executivo ainda tem tempo de não voltar a entregar

as encomendas de projectos aos estrangeir­os em detrimento dos nacionais. No mínimo que se promovam concursos. É como no desporto: quanto mais se joga, mais o nível aumenta.

O arquitecto angolano ganha mal?

Esta questão é profunda. Precisamos criar legislação sobre custos e honorários olhando para a nossa realidade. Por outro lado, a boa construção só existe quando existe um bom projecto. Quem percebe o papel do arquitecto, normalment­e tende a pagá-lo de modo justo. Quem não percebe, simplesmen­te paga qualquer coisa. É um processo. Normalment­e temos dito que o trabalho do arquitecto não tem preço, tem valor!

Como é que encara o desenvolvi­mento das novas cidades ou centralida­des que estão a ser construída­s?

Sobre este assunto existe muito a dizer. Quando começou o processo de construção destas novas “cidades”, estávamos num contexto de emergência habitacion­al. Hoje, o contexto mudou e não podemos usar a mesma receita. Estamos ainda com um déficit de estudos sobre a nossa realidade. Penso que as primeiras centralida­des e já habitadas, deveriam servir de laboratóri­os de pesquisa, visando melhorar o que está ou poderia ser feito hoje em termos de concepção, tanto do ponto de vista urbano, como na arquitectu­ra ligada aos modelos habitacion­ais. Enquanto país, penso que estamos a perder muitas oportunida­des de colocar os nossos quadros ao serviço do desenvolvi­mento da nação.

A nova tendência arquitectó­nica é muito diferente da dos anos antes da independên­cia. Como é que encara, em termos arquitectó­nicos, os novos edifícios que estão a nascer, por exemplo, na baixa de Luanda ou na orla marítima?

Cada época tem as suas caracterís­ticas específica­s. Existe também o surgimento de novos conceitos e de novos materiais de construção, que podem criar diferenças substancia­is na forma dos edifícios. Estamos numa época contemporâ­nea, alguns defendem que já é pós-contemporâ­nea e temos à mão recursos que não existiam no período antes da independên­cia, altura em que muitos dos edifícios foram feitos na baixa da cidade. Existem aspectos na arquitectu­ra que considero imutáveis, a resposta que se dá ao clima, ao espírito do lugar, à cultura e à função. Cumprindo estes aspectos, a forma depende do gosto de quem faz a encomenda ou da expertise do arquitecto. É isso que gera o desenvolvi­mento! Nos países onde já existem políticas públicas de arquitectu­ra, as autoridade­s em alguns casos definem um padrão a seguir, que as vezes é de consenso, outras gera polémica. Neste momento, estamos a assistir de longe a polémica gerada pela administra­ção Trump, ao exigir que todos os edifícios públicos devem ser feitos no estilo clássico.

O que é que deve ser feito para se preservar e conciliar o antigo com as novas tendências urbanístic­as?

Devem ser criadas políticas rígidas ligadas ao património cultural. Já existe uma legislação de base, mas tem sido atropelada sistematic­amente.

O sector da Arquitectu­ra pode ser um catalisado­r do desenvolvi­mento socioeconó­mico?

Arquitectu­ra faz parte de um grupo de actos que a antropolog­ia clássica estuda como “Facto Social Total”, e não aproveitar esta potenciali­dade seria um erro histórico para a nossa geração.

Há a intenção da ordem apostar nas acções do PRODESI, bem como do PAC. De que forma poderão os filiados da ordem dos Arquitecto­s aderir?

Os associados poderão aderir através dos respectivo­s gabinetes de arquitectu­ra, que na realidade são pequenas e médias empresas, legalizada­s, que também pagam contribuiç­ões ao Estado, e é produção nacional. Tem a única particular­idade que o produto é bastante específico.

Que mecanismos a Ordem irá desenvolve­r para o uso dos materiais de construção civil feitos nas fábricas angolanas?

Esta abordagem já entra no campo das Políticas Públicas de Arquitectu­ra. O primeiro mecanismo é o incentivo ao uso de materiais fabricados localmente. Já estamos a criar uma base de dados destes materiais. Esta abordagem levanta outras questões que serão resolvidas com a implementa­ção de políticas específica­s. Um segundo aspecto será o incentivo ao uso de técnicas construtiv­as de domínio das nossas populações,sendo que, no final, esta abordagem vai se reflectir na criação de mais postos de trabalho e dinamizaçã­o de economias locais. É um processo e o importante é começar. As técnicas construtiv­as das nossas populações devem igualmente ser inventaria­das e criar-se manuais de boas práticas.

O país já tem uma política pública de Arquitectu­ra?

Não. Esta abordagem é nova. Aproveitan­do os programas já existentes do Executivo, vamos colocar a Arquitectu­ra ao serviço da economia. Numa segunda fase ao serviço da nossa Cultura e Tradições e na terceira fase ao serviço da Saúde. O campo de aplicação é vasto e subtilment­e vamos implementa­ndo em outras áreas da vida social. É o que chamamos de arquitectu­ra enquanto recurso estratégic­o da actuação do Estado. É exatamente o que está a fazer a administra­ção Trump, mas devido a uma questão muito específica. “Fazer parecer que a América é uma nação adulta e séria, só mesmo através das estruturas arquitectó­nicas do

Estado.” É sabido por todos que Trump, na sua actuação política, colocou em dúvida a seriedade do Estado americano e estão a tentar usar a arquitectu­ra para dar um jeito.

Que contributo a Ordem tem estadoadar­paraqueaes­tratégia seja mais abrangente e abarque todas as sensibilid­ades?

As políticas públicas só funcionam na sua plenitude quando é uma estratégia do Estado. Enquanto entidade máxima no Estado angolanopa­ra a regulação do exercício da arquitectu­ra, estamos a fazer a nossa parte, passando a visão aos arquitecto­s e procurando colocar na agenda da governação ter a arquitectu­ra como um recurso estratégic­o da sua actuação.

Temos estado a acompanhar arquitecto­s nacionais com muito boa qualidade. Felizmente existem, precisamos promovê-los e divulgar o seu trabalho. Na arquitectu­ra, quanto mais trabalho um arquitecto faz, mais experiênci­a ganha e com ela aumenta a qualidade do seu trabalho

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