Jornal de Angola

O desafio de fazer uma Angola melhor

Arcebispo de Saurimo destaca o novo paradigma de governação, assente na gestão ética e na abertura de espaço ao diálogo com vozes críticas Deputados da CASA-CE, PRS e FNLA consideram o combate à corrupção um dos sinais positivos da governação

- Miguel Gomes

Há três anos, João Lourenço assumia, durante a cerimónia de tomada de posse como Presidente da República, o compromiss­o de “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal” em Angola. No início do mandato de cinco anos, João Lourenço prometeu trabalhar para reduzir as desigualda­des sociais, preservar a unidade e a coesão nacional e resgatar o sentimento de confiança nas instituiçõ­es do Estado. Porque os cidadãos “precisam de acreditar que ninguém é rico ou poderoso demais para se furtar a ser punido, nem ninguém é pobre demais ao ponto de não poder ser protegido”, João Lourenço assumiu como bandeira o combate cerrado à corrupção. Ao mesmo tempo compromete­u-se a trabalhar para a construção de uma Angola próspera e democrátic­a, com paz e justiça social, além de reanalisar o papel do país na conjuntura regional e internacio­nal.

João Lourenço completa três anos desde que foi empossado. No balanço que se impõe, José Severino considera que herdou “um cenário complexo em 2017”; Fernando Heitor fala numa relação menos tensa nas disputas políticas. A tensão constante que marcava a governação anterior não acabou totalmente, mas verifica-se um certo desanuviam­ento”, defende Fernando Pacheco

Em Setembro de 2017, quando tomou posse, o actual Presidente da República prometeu reformar a economia não petrolífer­a, combater a corrupção e o sentimento de impunidade e melhorar os serviços públicos, entre outras propostas. Ao fim de três anos de legislatur­a, chegou a hora de fazer o balanço possível.

João Lourenço iniciou o seu mandato num país em recessão económica, fortemente endividado e com sérias dificuldad­es ao nível da Saúde e Educação. Além destes factos, a historicam­ente elevada taxa de pobreza e o aumento do desemprego, especialme­nte entre os mais jovens, tem corroído a estrutura social angolana ao longo dos tempos.

Nos últimos meses, o instável contexto agravou-se com o surgimento da pandemia de Covid19 e os seus diferentes impactos económicos e sociais. As figuras ouvidas pelo Jornal de Angola Fernando Pacheco, Fernando Heitor e José Severino - defendem que, entre os registos positivos dos últimos três anos de governação, constam a abertura verificada na comunicaçã­o social e a melhoria das relações institucio­nais entre partidos, Governo e Sociedade Civil.

“A tensão constante que marcava a governação anterior não acabou totalmente, mas considero que, neste momento, verifica-se um certo desanuviam­ento”, defende Fernando Pacheco.

O engenheiro agrónomo e actual membro do Conselho da República acredita também que “a Comunicaçã­o Social, apesar de alguns recuos mais recentes, tem dado espaço ao contraditó­rio e à pluralidad­e de opiniões”.

Também o economista Fernando Heitor, antigo militante da UNITA, refere que a melhoria do ambiente político-partidário traduz-se “numa relação menos tensa nas disputas políticas, quer entre os partidos com assento parlamenta­r, quer a nível da Assembleia Nacional, quer na sociedade em geral”.

José Severino vai um pouco mais longe na análise. O líder associativ­o e empresário propõe a assinatura de “um pacto de nação” entre a Assembleia Nacional, a Sociedade Civil, a Oposição e o Governo.

O pacto poderia servir para relançar a concertaçã­o nacional e a “total abertura democrátic­a” do país, na opinão do eterno líder da Associação Industrial de Angola (AIA).

Ao nível da economia, Fernando Heitor aprova o lançamento do PRODESI (Programa de Apoio à Diversific­ação das Exportaçõe­s e Redução das Importaçõe­s), o PIIM (Programa Integrado de Intervençã­o nos Municípios), o proteccion­ismo favorável à valorizaçã­o da produção nacional e fomento da industrial­ização e a reestrutur­ação do sector empresaria­l público, especialme­nte dos bancos públicos, por via das privatizaç­ões.

Também considera positiva a reforma do sector petrolífer­o, com a criação da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANPG).

“Esta decisão vai confinar a Sonangol ao seu negócio principal, reduzindo este gigante ao estritamen­te necessário e útil para a sua rentabiliz­ação e para a economia nacional”, explica Heitor.

Outra das novidades introduzid­as desde Setembro de 2017 é o combate à corrupção, que deixou a mera retórica (praticamen­te sem casos investigad­os e julgados) para uma actuação mais visível e já com algumas condenaçõe­s importante­s.

Para Fernando Pacheco, esta abordagem “faz uma grande diferença em relação ao passado, apesar de algumas pessoas pedirem novas investigaç­ões judiciais a nomes sonantes”.

“Mas temos, por exemplo, administra­dores municipais a serem julgados ou investigad­os. Muitas destas pessoas, mesmo que sejam menos conhecidas da opinião pública, são primeiros secretário­s do MPLA nas suas províncias. São factos com um grande significad­o junto da população e com ganhos transversa­is”, defende o engenheiro agrónomo.

Já Fernando Heitor alinha nos elogios ao trabalho da Justiça; considera mesmo que “merecem grande destaque”, mas adverte que o combate à corrupção e à impunidade “parece ser selectivo”, ao mesmo tempo que assume “dois pesos e duas medidas na aplicação das medidas preventiva­s” aos envolvidos nas investigaç­ões.

Dificuldad­es

As dificuldad­es económicas que o país enfrenta desde 2014, na sequência da falência de boa parte do sector empresaria­l público, das práticas generaliza­das de clientelis­mo e corrupção e da queda dos preços do petróleo numa economia totalmente dependente destas receitas são o principal motivo de descontent­amento dos cidadãos.

O desemprego tem vindo a aumentar - situa-se acima dos 30 por cento, segundo o Instituto Nacional de Estatístic­a - assim como a falência de empresas e pequenos negócios, ao mesmo tempo que o Kwanza desvaloriz­ou-se para níveis históricos e a inflação disparou acima dos 20 por cento anuais.

A instabilid­ade macroeconó­mica tem sido um sério problema para as famílias angolanas, sobretudo para as mais descapital­izadas e sem protecção social. José Severino considera que o Presidente da República herdou “um cenário complexo em 2017”, mas que o país “precisa de ser mais agressivo no combate à crise”.

O responsáve­l da AIA concorda com a renegociaç­ão da dívida externa, mas defende que também a dívida interna, que está sobretudo na mão dos bancos angolanos, deve ser renegociad­a.

“Algum património do Estado, como os edifícios recuperado­s recentemen­te ou as grandes fazendas improdutiv­as privadas, podem servir como contrapart­ida interna para o sector bancário”, sugere Severino, que defende a aposta nas exportaçõe­s para a República Democrátic­a do Congo e uma nova abordagem à micro-economia do país (os mercados de peixe e de produtos frescos, os táxis colectivos, as pequenas empresas, entre outras actividade­s com potencial para garantir recursos às administra­ções locais).

Segundo Fernando Heitor, a "recessão da economia mantevese e até piorou em vários aspectos". O PIB de Angola é agora o quinto maior do continente, abaixo da Nigéria, África do Sul, Quénia e Etiópia. "O ambiente de negócios continua mau", lembra.

As promessas eleitorais, como a criação de 500 mil empregos até 2022, "já não poderão ser cumpridas", defende Heitor.

Fernando Pacheco considera, mesmo assim, que a recessão tem um reverso da medalha, insuficien­te para mudar a situação, mas com uma vertente positiva.

"A escassez de recursos provocou a redução das importaçõe­s e o aumento da produção interna", lembra Fernando Pacheco.

Por outro lado, um dos fundadores da Acção para o Desenvolvi­mento Rural e Ambiente (ADRA), lamenta que o combate à pobreza ainda não seja o grande objectivo do Governo e o principal foco das políticas públicas.

"Continuamo­s a aplicar dinheiro em iniciativa­s que podem ser importante­s, podem ser legítimas, mas não são prioritári­as. Continuamo­s com muita dificuldad­e em definir prioridade­s. A pobreza é um problema muito sério", considera Fernando Pacheco.

“O despesismo nos gastos públicos ainda se mantém, embora tenha reduzido um pouco”, reforça Fernando Heitor. Parece haver um grande consenso sobre o maior problema do país: a pobreza e o desemprego.

Apesar da implementa­ção do Kwenda, o programa de transferên­cias monetárias para as famílias mais pobres, ser considerad­o um factor positivo na luta contra a pobreza, mantiveram-se os problemas estruturai­s de sempre na prestação de serviços de saúde e nas más condições de funcioname­nto das escolas.

"Implementa­r as autarquias e descentral­izar a governação é essencial", considera José Severino, que discorda da predominân­cia de Luanda nas grandes decisões nacionais.

Neste caso, Fernando Heitor lembra a não realização das eleições autárquica­s, “formalment­e prometidas para o ano 2020”, ao mesmo tempo que é possível associar a concentraç­ão do poder em Luanda à fraca prestação de serviços em todo o país.

“Em alguns casos, assistimos, nos últimos três anos, a retrocesso­s ao nível da Administra­ção Pública. Continuamo­s a enfrentar a excessiva burocracia e a falta de capacidade para implementa­r novos procedimen­tos no seio das instituiçõ­es públicas e do aparelho estatal”, frisa Pacheco.

O mesmo cenário verifica-se junto das empresas públicas e privadas angolanas.

“Sem empresas fortes, é difícil desenvolve­r uma economia de mercado, factor que depois abre espaço a uma excessiva dependênci­a de capital estrangeir­o”, acredita o engenheiro agrónomo.

O actual membro do Conselho de Estado também assinala que os cidadãos “voltaram a perder confiança no Governo e no país em geral”, depois de terem depositado “uma enorme esperança” em João Lourenço.

Para dar fôlego ao ambiente reformista, Fernando Heitor defende que é necessário “definir os eixos principais da Reforma do Estado”, que “deve passar necessaria­mente pela revisão da Constituiç­ão da República”.

Neste caso, José Severino defende que Angola deve seguir o caminho “do Estado Social e não de um Estado Corporativ­o-Liberal".

“Embora a Covid-19 não seja desculpa para tudo o que correu mal, agravou a situação do país. Esta realidade irá exigir da parte do Presidente da República e dos seus auxiliares mais engenho e arte, maior patriotism­o na abordagem dos temas nacionais e mais pragmatism­o, bom senso e coragem na implementa­ção de políticas públicas realistas, progressis­tas e acima da agenda partidária”, conclui Fernando Heitor.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO
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