Presidente da República abriu espaço ao diálogo com vozes críticas
A corrupção é um cancro social, cuja terapia de choque deve passar pela educação forte, afirmação das instituições de justiça, gestão ética da coisa pública e pelo amor ao bem do próximo
O arcebispo de Saurimo considera que o Presidente da República introduziu um novo paradigma de governação, assente na gestão ética, e abriu espaço ao diálogo com as vozes críticas da sociedade e à liberdade de imprensa. Em entrevista ao Jornal de Angola, por ocasião dos três anos de governação de João Lourenço, D. José Manuel Imbamba pede ao Chefe de Estado que “não se deixe intimidar por aqueles que só amam o dinheiro e outras riquezas materiais do país e não os angolanos, nem sua Pátria”; que mantenha a coragem, a firmeza e a serenidade, para incentivar a cultura da paz, da justiça, da inclusão, da cidadania, da dignidade e do progresso. Para entrevista, as perguntas foram enviadas por email e respondidas pela mesma via, não podendo, por isso, ser rebatidas
Que avaliação faz dos três anos de governação do Presidente João Lourenço?
Foram três anos de muitos sacrifícios, mas, também, de muitos ganhos. Assumiu a Presidência numa má altura, internacionalmente falando, devido à crise económicofinanceira, e, internamente, aos altos índices de corrupção, desgovernação e descompromisso com o bem dos cidadãos. Seja como for, começou a empreender a reforma do Estado, introduziu um novo paradigma de governação, assente na gestão ética, virada para o bem do cidadão; abriu espaço ao diálogo com as vozes críticas da sociedade e à liberdade de imprensa; quebrou os monopólios e tenta libertar a justiça das garras da política. Penso que só lhe faltou sorte, quanto ao contexto em que assumiu a Presidência. Mas tem demonstrado muita coragem, firmeza, clarividência e boas intenções.
Quando chegou ao poder, o Presidente da República disse que encontrou os cofres vazios. Acha que, apesar disso, devia ter feito muito mais?
Como disse, por um lado, o contexto conjuntural não lhe foi favorável e, por outro, muitos dos seus colaboradores cresceram e absorveram os velhos e ruins hábitos que empobreceram o país e os cidadãos. Por isso, a boa vontade dele esbate-se nessas muralhas que, todavia, devem ser trabalhadas e transformadas, para que o bem-estar flua entre todos. Ele fez e está a fazer o que as circunstâncias do momento aconselham.
O combate à corrupção é uma das principais bandeiras do Presidente da República, mas ainda há quem diga que tem sido um combate selectivo. Qual é a sua apreciação?
A minha apreciação é que o combate está em curso e a vitória não se canta de um dia para o outro. A corrupção é um cancro social, cuja terapia de choque deve passar pela educação forte, afirmação das instituições de justiça, gestão ética da coisa pública e pelo amor ao bem do próximo. É preciso termos paciência, calma e muita prudência, para não passarmos por meros justiceiros que querem simplesmente ajustar contas. Trata-se de um trabalho moroso, cujos frutos serão colhidos na medida em que cada um de nós interiorizar e assumir a vivência dos valores éticos que promovem o desenvolvimento integral de todos, sendo a justiça equitativa a virtude orientadora da nossa acção.
Há alguns anos, a corrupção foi descrita como o maior problema do país, depois da guerra, felizmente já vencida. Nesta altura, quais são os grandes males que identifica?
A corrupção continua a capitanear a lista dos males da nossa sociedade, cultivada por cidadãos que denotam fraco sentido de amor à Pátria e aos concidadãos. Também tenhamos presente que as bases culturais e ideológicas, que alimentam o nosso ser e agir e as nossas instituições veiculam valores que incentivam a falta de ética e do sentido de justiça, o egoísmo e a prepotência, o compadrio, o amiguismo e o nepotismo, a indiferença e o descompromisso para com o bem dos outros, a exaltação doentia da militância partidária, em detrimento da cidadania responsável e participativa, o materialismo e a desvalorização e/ou menosprezo das inteligências contrárias às nossas escolhas e decisões. Penso que, enquanto não invertermos este quadro cultural infecundo e empobrecedor, nunca conseguiremos ter ganhos duradoiros e substanciais. Isto para dizer simplesmente que o grande problema somos nós mesmos.
Os níveis de pobreza em Angola são elevados, principalmente no meio rural e na zona suburbana das grandes cidades. Que políticas deviam ser adoptadas para reverter a situação?
Para mim, os factores que favorecem o florescimento da pobreza não são só políticos, mas também culturais. Muitas práticas e tradições das nossas culturas negam o desenvolvimento. Todavia, é preciso que as oportunidades sejam iguais para todos, pois as assimetrias sociais são gritantes no nosso país; incentivar o desenvolvimento rural, com bens e serviços à altura; distribuir os grandes investimentos pelo País e não os concentrar só em Luanda; valorizar e incrementar realmente a produção local, dando maior apoio também aos pequenos empreendedores; despolitizar, ou melhor, despartidarizar o emprego, a Função Pública e, sobretudo, as administrações e respectivos administradores; desencorajar a solidariedade assistencialista e paternalista que incentiva a preguiça e a morte da criatividade empreendedora.
Como está a ser aplicado o Acordo Quadro entre o Estado angolano e a Santa Sé?
O Acordo Quadro entre o Estado angolano e a Santa Sé continua a ser regulamentado para a sua aplicação efectiva. O trabalho está no bom caminho, com a equipas técnicas da CEAST e dos Ministérios envolvidos a darem o melhor de si para a conclusão e aplicação airosa do acordado.
Seis meses depois do encerramento das igrejas, devido à pandemia da Covid-19, foram retomado os cultos em Luanda, pelo menos aos sábados e domingos. Há quem defenda uma abertura total das igrejas. Que avaliação faz?
Não é correcto, nem justo considerar a Igreja como o espaço mais perigoso de contágio, quando vemos o que acontece, por exemplo, nos mercados, restaurantes e nas paragens de autocarros. Os fiéis são mais disciplinados, responsáveis e obedientes. Aliás, nestes momentos, a vida espiritual é o melhor consolo e alívio para toda a espécie de padecimentos. É só uma questão de estabelecer uma justa hierarquia de valores.
Se tivesse a oportunidade de estar com o Presidente da República, o que o diria?
Que continue a abraçar a sabedoria para poder discernir e tomar decisões que elevem os níveis de dignidade dos angolanos; que cultive mais a empatia; que tenha à sua volta quadros competentes por mérito; que restitua à Assembleia Nacional o papel fiscalizador dos actos do Governo; que incentive a despolitização dos órgãos de Justiça e das Administrações; que o princípio de subsidiariedade não seja sufocado pela omnipresença do Estado; que não se deixe intimidar por aqueles que só amam o dinheiro e outras riquezas materiais do país e não amam os angolanos nem a Pátria; enfim, que mantenha a coragem, a firmeza e a serenidade, para incentivar a cultura da paz, da Justiça, da inclusão, da cidadania, da dignidade e do progresso humano integral.
Como avalia os sectores da Educação e da Saúde?
São sectores que ainda padecem de várias enfermidades, fruto do que já disse atrás. As nossas escolas, que deveriam ser espaços de excelência, onde se produz e propaga a cultura autêntica, aquela cultura que ‘cultiva’ e humaniza o homem de verdade, transformaram-se, muitas delas, em antros de clamorosos vícios e maus exemplos; deram e dão um amplo espaço à racionalidade técnicocientífica e nenhum à racionalidade humanística, ética e religiosa. E o resultado são os frutos que estamos a colher: desonestidade, personalidades fracas, incompetência, intolerância, fanatismo, anarquia, vaidades na miséria, incivilidade, etc.! Portanto, a má qualidade de cidadãos que somos hoje deve-se grandemente à má qualidade das nossas escolas. O campo da saúde não foge à regra: muita desumanidade nos serviços de saúde e falta de amor ao próximo, em que o dinheiro vale mais do que as pessoas e muitos profissionais sem vocação para tal. O mais estranho e caricato é que muitos deles incentivam a prática da feitiçaria e açambarcam os bens de todos para fins pessoais! Um grande esforço foi empreendido com a construção de postos médicos e hospitais bem equipados, mas, paradoxalmente, sem quadros preparados para manusear os equipamentos! Por tudo isto, a nossa saúde continua ainda muito doente, embora reconheça a entrega abnegada de muitos profissionais que, desinteressadamente, dão o melhor de si pelo bem dos outros. Em suma, ainda há muito por fazer: reformas a realizar, atitudes e mentalidades a renovar, enfim, políticas a melhorar e acertar.
Em várias partes do mundo, faz-se muito trabalho de investigação sobre a Covid-19, mas em Angola parece haver pouca pesquisa, alegadamente, por razões financeiras. Não acha que a pandemia seria uma oportunidade para se investir mais no domínio da investigação científica?
Infelizmente, os nossos governantes ainda não despertaram para a necessidade da investigação científica, tirando a vontade política que reiteradas vezes se faz ouvir. É um défice grande que temos em muitas das nossas universidades e muitas delas sofrendo muitas interferências políticas. É preciso que a academia se afirme e que os políticos e/ou governantes se sirvam dos estudos científicos para traçarem as suas estratégias. Quantos rios de dinheiros se gastam com consultorias estrangeiras? Por que razão subestimamos os nossos méritos e capacidades? Penso que este é um dos campos importantes a desenvolvermos, se é que queremos verdadeiramente vencer os abundantes males que nos afligem: há que investir com muita urgência neste campo.