Um país com os “cofres vazios”
Notícias sobre detenções de gestores por desvio de bens públicos chegam-nos, ao mesmo tempo que uma informação nova, sobre a forma como o país estava financeiramente, apanha os angolanos desprevenidos. Em entrevista ao semanário português “Expresso”, publicada em Novembro de 2018, na véspera da sua primeira visita de Estado a Portugal, João Lourenço anuncia que os Cofres do Estado estão vazios.
“Para ser sincero, a mim também me surpreendeu. Não era, portanto, isso que esperava (…) Esperava uma verdadeira passagem de pastas, em que me fosse dado a conhecer os grandes dossiês do país e isso, de facto, não aconteceu”, lamentou.
Como se isso não bastasse, prosseguiu, havia ainda a tentativa de retirada dos parcos recursos do Estado de cerca de 1,5 mil milhões de dólares, que seriam depositados na conta de uma empresa de fachada no exterior. “Felizmente, graças à colaboração das autoridades britânicas, foi abortada…”, frisou, referendo ao que ficou conhecido como “Caso 500 Milhões”, que envolve, entre outros, os cidadãos José Filomeno dos Santos, ex-presidente do banco Kwanza Invest, e Valter Filipe, antigo governador do Banco Nacional de Angola.
Na segunda entrevista colectiva concedida a jornalistas angolanos e estrangeiros, na Cidade Alta, o Presidente da República acrescentou que os valores encontrados nos Cofres do Estado, cerca de 6.98 mil milhões de dólares, dariam para pagar apenas cinco meses de salários da Função Pública.
Para evitar um cenário mais catastrófico nos dias seguintes, uma vez que o país não dispunha de dinheiro suficiente para fazer face aos grandes desafios que se perfilavam, uma das soluções encontradas pelo Chefe de Estado foi recorrer aos países e instituições internacionais, com os quais Angola tem boas relações, para solicitar empréstimos financeiros.
A cruzada contra a corrupção, com forte incidência para a recuperação de capitais saídos ilicitamente do país, ganhava forma. Nessa altura, já estava em vigor a Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros. Determinava que os angolanos com depósitos superiores a 100 mil dólares no estrangeiro, não declarados, tinham até seis meses para os repatriar, sem qualquer responsabilização criminal, tributária ou cambial. Era uma espécie de amnistia.
A Lei definia duas fases para o repatriamento. A primeira era de cariz voluntário. O interessado em aderir estaria livre de questionamento acerca da proveniência dos valores. Já a segunda fase seria de cariz coercivo. O Estado recorreria aos procedimentos e mecanismos legais para, junto das autoridades dos países de domicílio, perseguir os recursos ali detidos e mantidos, obtidos com recurso à violação da legislação angolana.
Para facilitar o processo, o Banco Nacional de Angola (BNA) orientou os bancos comerciais a estabelecerem, na sua estrutura de contas de clientes, uma natureza autónoma para os recursos recolhidos, no quadro dos procedimentos para o seu repatriamento.
A adesão não foi a desejada. A maioria dos cidadãos com valores transferidos ilicitamente para o estrangeiro manteve-se no silêncio. Apesar disso, o Estado não desistiu e continuou a capturar o que lhe foi retirado indevidamente.
Primeiros resultados
No ano passado, o país ficou a saber, pela primeira vez, parte do resultado alcançado com o processo de recuperação de activos decorrentes de crimes de corrupção. A partir de Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, o Executivo revelou que conseguiu recuperar, naquele ano, mais de cinco mil milhões de dólares em activos domiciliados em Angola e no exterior.
Ao discursar na 8ª Conferência dos Estados Partes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (COSP), organizado naquele território, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, ressaltou que Angola tem beneficiado do apoio de parceiros internacionais.
Por entender que a Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros não era suficientemente abrangente, para o tipo de combate que se pretendia, o Executivo decide criar outra, que fosse capaz de cobrir os espaços deixado pela primeira lei. Nasce, assim, a Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens. Este diploma legal passou a dotar o ordenamento jurídico angolano de normas e mecanismos legais que abrangem bens móveis e imóveis.
Em declarações à imprensa, no final da 10ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, que apreciou o diploma, o ministro da Justiça, Francisco
Queiroz, esclareceu que a lei em vigor não cobria todas as incidências desse processo, ou seja, visava apenas o repatriamento de dinheiro transferido ilicitamente.
Já a nova Lei, acrescentou, alarga o seu âmbito de actuação para os bens móveis e imóveis, cuja perda se daria a favor do Estado, através de sentença. Com este passo, estavam, criadas as condições para o Estado sair ao encalço de tudo que lhe pertence, mas que foi retirado da sua esfera de forma ilícita.
Quando se esperava que os cidadãos detentores desses bens fossem, voluntariamente, apresentá-los ao Estado, eis que, ao invés, verifica-se o surgimento de uma força, tentando inviabilizar o combate à corrupção em curso no país. Sobre este cenário, o Presidente da República, sem rodeios, revela, no primeiro dia do VIII Congresso Ordinário da JMPLA, quem estava por detrás da iniciativa.
“Os mesmos que estavam embrulhados na corrupção e que desviaram dinheiros públicos para eles próprios, são os que estão a financiar a campanha de desestabilização e de intoxicação contra Angola”, aclarou.
Numa intervenção de circunstância, que considerou “discurso da alma”, João Lourenço alerta que “esta campanha não é contra o Presidente da República. Esta campanha é contra o nosso país, contra Angola. E o que é mais triste é que ela não vem sendo movida por forças estrangeiras, nem por forças da oposição, vem sendo movida por nacionais, aparentemente do MPLA.”
Salientou que todos os meios têm sido usados para descredibilizar o processo em curso, com realce para ataques à boa imagem do Executivo angolano e de criação de condições para dividir e enfraquecer as suas fileiras.
Ao invés de adoptarem esse comportamento, aconselhou o Presidente, estes cidadãos “deviam agradecer pelo que estamos a fazer, porque, se deixássemos a festa continuar, talvez viessem a morrer de congestão, de tanto comer”.
Apesar de tudo, João Lourenço mostrou não estar preocupado com a investida contra o programa de combate à corrupção. Ao discursar na sessão de abertura da III Reunião Ordinária do Comité Central do MPLA, realizado no dia 13 de Março deste ano, esclareceu que a pretensão de parar o combate à corrupção, em curso no país, resulta da reacção que a quebra do status quo e a perda repentina de privilégios abismais provocou a quem pensava ser uma direito divino inquestionável.
“Tinham de criar resistência organizada, na tentativa de conseguirem fazer refrear o ímpeto das medidas em curso, parar ou mesmo reverter para a situação anterior”, salientou.
João Lourenço alertou que esta luta já não é só do MPLA, nem da oposição, mas de toda a sociedade angolana, que penalizará aqueles que dela desistirem ou pretenderem regressar ao passado. “Toda a sociedade angolana defende a necessidade da sua continuação, pelos ganhos morais, de reputação e económicos, que, a prazo, o país beneficiará”, frisou.
João Lourenço esclareceu que, estando a corrupção tipificada como crime, para quem já está presumivelmente nela envolvido, não há forma de se evitar a intervenção dos Órgãos de Justiça. Essa elucidação do Presidente da República surgiu na sequência de uma corrente da sociedade que defende uma abordagem diferente no combate à corrupção, que não passe, necessariamente, pela responsabilização criminal dos infractores.
Francisco Queiroz ressaltou que Angola tem beneficiado do apoio de parceiros internacionais na luta contra a corrupção