Correio da Bahia

Vida

- Marília Moreira, de Joinville marilia.silva@redebahia.com.br *A JORNALISTA VIAJOU A CONVITE DA COELBA, EMPRESA AMIGA DO BOLSHOI

No palco, sorrisos largos, passos ritmados, aplausos da plateia. Uma hora antes, correria nos bastidores: entrevista, figurino, maquiagem, selfies no camarim. Há dois anos, essa rotina não passava de um sonho distante. Mas os baianos Giovane Santana de Jesus, 13 anos, e Jadeson Santos Reis, 11, fizeram por onde tudo isso se tornar realidade. A pequena trajetória de vida de cada um deles pode ser resumida em quatro palavras: desejo, determinaç­ão, disciplina e gratidão.

Com o apoio da família e de amigos, os dois chegaram, ano passado, à Escola do Teatro Bolshoi, em Joinville, Santa Catarina. Passaram por um rigoroso processo seletivo que supera os mais concorrido­s vestibular­es do país, com mais de 50 candidatos concorrend­o a uma vaga .

Atualmente, 219 estudantes estão matriculad­os no Bolshoi, sendo 18 deles baianos. Os alunos recebem bolsa integral para estudar dança e música. Na única filial do renomado balé russo em todo mundo, eles ainda têm direito a muitos benefícios, pelos quais não pagam nada.

Para isso, os garotos precisam manter um bom desempenho na escola regular durante os oito anos de formação como bailarinos profission­ais. Jadeson e Giovane fazem parte dos 78% de alunos do Bolshoi matriculad­os em escolas públicas de Joinville e ainda integram outro dado: estão entre os 30% de bolsistas da instituiçã­o cujas famílias vivem com apenas um salário mínimo.

MUDANÇA

No caso de Giovane, a família embarcou no sonho junto com ele. Em janeiro de 2015, ainda morando em Cipó, no nordeste baiano, eles bateram de porta em porta e conseguira­m o dinheiro para pagar as passagens aéreas e custear a mudança. Naquele momento, o irmão de Giovane, que morava com ele e a mãe, teve de se separar da família e ir viver com o pai, que já residia em São Paulo.

Com menos pessoas em Joinville, as coisas talvez pudessem ser resolvidas mais facilmente. “Foi uma batalha, só eu e Giovane, saudade do outro, dos amigos, mas conseguimo­s”, contou a mãe do garoto, Ivone Caribé.

Já Jadeson teve de enfrentar a maioria das mudanças longe dos pais e dos três irmãos. A família dele é de Itabuna, no sul da Bahia. A mãe trabalha como feirante e o pai como motorista de ônibus. O desejo de ser dançarino nasceu no núcleo familiar, quando viu o irmão, quatro anos mais velho, dançar na escola em que estudava. Inspiração para Jadeson, Wadson também participou da mesma seleção do Bolshoi, mas não foi aprovado na seletiva final. Por conta disso, Jadeson teve de seguir sozinho para o Sul do país.

Mais de 2 mil km separam a Bahia de Joinville e outros 527 Cipó de Itabuna. A despeito da geografia e justamente por conta dela, hoje, Jadeson e Giovane são amigos inseparáve­is. Na sala de aula, ao mirar um, o outro vai sempre estar por perto. E os planos para o futuro também se assemelham: os dois pensam em dançar, mas sobretudo em ensinar a outras crianças o que aprenderam.

O caminho já foi trilhado por professore­s que hoje dão aula a eles. É o caso de Maikon Golini, que entrou na escola aos 7 anos, na primeira turma do Bolshoi, e hoje lapida talentos, como Giovane e Jadeson. “Ele é muito legal, ensina muitas coisas pra gente e sempre nos apoia, porque ele também viveu isso”, destacaram.

Há dois anos em Joinville, baianos dão prova de superação diária

DISTÂNCIA

A saudade de quem ficou para trás dói, mas também sustenta. “Tem que aguentar, porque meu sonho está se realizando e também porque eu quero isso aqui para ajudar minha família, dar uma vida melhor a eles”, disse Jadeson, com certa timidez, mas muita segurança. A dificuldad­e de viver em uma casa social fica evidente no olhar, que por muitas vezes durante a entrevista procura o chão. “E eu já tenho muitos amigos aqui também”, continuou, deixando para lá o baixo astral e focando nos seis anos que ainda restam para concluir o curso.

Em dois anos, Jadeson reviu a família em duas oportunida­des: nas férias do fim do ano passado, em que pôde voltar para Itabuna, e em meados deste ano, quando um programa de TV bancou a viagem dos pais e dos três irmãos dele para assistir pela primeira vez a uma apresentaç­ão dele no Bolshoi, uma das coisas que o garoto mais desejava. “Foi muito emocionant­e, sempre quis que eles me vissem no palco”, lembrou, sobre a emoção de ter a família por perto.

Giovane, por sua vez, não voltou à Bahia. “A passagem estava muito cara, acabei indo pra São Paulo visitar meu pai no final do ano passado também”, contou. E as vidas desses dois baianinhos continuam seguindo cheias de desafios diários. “A gente sabe que é isso que a gente quer e vamos continuar persistind­o”, dizem.

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