Correio da Bahia

Baianos relatam medo de enfrentar a doença no momento em que a saúde está à beira do colapso

- Daniel Aloisio* REPORTAGEM daniel.santos@redebahia.com.br

Na frente do gripário de Paripe, o semblante de dor de Geane Santana de Oliveira, 35 anos, chamava atenção. Mas não era ela quem estava com sintomas da covid-19 e sim sua mãe, Maria Clara, 65 anos, que na manhã de ontem foi admitida na unidade com quadro grave de insuficiên­cia respiratór­ia. Geane ficou na frente do gripário esperando notícias. Enfrentou chuva, sol e a sensação térmica de 33ºC que fazia em Salvador. Como se segurasse a mão da própria mãe, ela apertava o terço que Maria Clara carregava e não pôde entrar na unidade. "Pedi pelo amor de Deus pra ser atendida, pois ela chegou num estado bem mal", recorda.

Geane é uma das milhares de baianas que enfrentam o medo de lidar com a covid-19 quando a Bahia vive o seu pior momento desde o início da pandemia. Pelo quarto dia consecutiv­o, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) registrou ontem o maior número de pacientes internados em UTIs Covid-19 desde o início da pandemia. São 912 pessoas em estado grave ocupando leitos nas diversas regiões do estado. No dia anterior eram 890 doentes. A taxa de ocupação dos leitos de UTI é de 80%.

O medo de Geane é que a mãe seja uma das pessoas que precisem de um dos 20% de leitos UTI que restaram. Pela tarde, ela soube que a mãe ia precisar ser regulada para um hospital de qualquer jeito. Até as 18h de ontem, Geane permanecia na frente do gripário.

Ali, por volta do meio-dia, em torno de 50 pessoas aguardavam o atendiment­o. A maioria estava aglomerada no pequeno espaço de sombra que tinha. Vanessa Santos Silva, 31 anos, acompanhav­a o marido Marcos Alexandre. “Ele perdeu o paladar, está com dor no corpo, dor de cabeça e teve falta de ar a noite toda”, descreveu a esposa. O casal chegou no local às 9h40. Ao meio-dia sequer tinham passado pela triagem.

Somente em fevereiro, os gripários de Salvador realizaram 12,6 mil atendiment­os de pessoas com sintomas da covid-19. É desses locais que os pacientes da capital são regulados para serem internados em leitos clínicos ou de UTI em hospitais da cidade, que também recebem pacientes do interior. Até às 18h de ontem, a taxa de ocupação dos leitos de UTI em Salvador era de 82%, sendo que cinco unidades hospitalar­es estavam completame­nte lotadas: Itaigara Memorial, Português, Maternidad­e Professor Jose Maria De Magalhaes Neto, Hospital Municipal e Hospital do Subúrbio.

Tamara Jesus, 32 anos, chegou no gripário dos Barris por volta de 12h30 com o seu marido. Lá ela pegou a ficha 198, mas o atendiment­o ainda estava no número 50, o que dá 148 pessoas na frente. O marido preferiu voltar para casa e ficar sem atendiment­o.

Já Vanessa Lidia, 34 anos, estava com dor de cabeça, coriza e sem o paladar. Ela admite que, se não fosse pelo seu local de trabalho – uma clínica de saúde particular -, preferiria ficar em casa, mesmo com os sintomas. “Eu tenho que estar 100% para trabalhar lá e não posso perder o emprego. Mas esse caos na saúde assusta muito”, conta.

HOSPITAIS PRIVADOS

Ontem, alguns hospitais particular­es de Salvador e Lauro de Freitas ultrapassa­ram a marca dos 90% de ocupação dos leitos de UTI para pacientes com covid-19. Alguns como o Hospital da Bahia, Aeroporto e Jorge Valente atingiram 100% de ocupação. A realidade está tão difícil que tem pacientes com planos de saúde indo procurar o setor público, segundo o prefeito Bruno Reis. “[Eles] não estão conseguind­o hospital e estão vindo para as nossas unidades”, disse.

Já os hospitais Santa Isabel, Português e Teresa de Lisieux atingiram, respectiva­mente, 95%, 87% e 85% de ocupação, segundo informado ao CORREIO. Os hospitais Aliança, Cardiopulm­onar e São Rafael também foram procurados, mas não respondera­m. No entanto, segundo apuração do G1 Bahia, a ocupação nessas unidades de saúde é de 97% no São Rafael, 95% no Aliança e 90% no Cardiopulm­onar.

O coordenado­r de infectolog­ia do Hospital Aeroporto, Antonio Bandeira, confirmou que a unidade está com 100% de ocupação nos leitos de UTI e em situação complicada. “Estamos vivendo uma nova fase com cresciment­o de casos. As unidades de saúde estão sobrecarre­gadas. Nos hospitais privados elas já vinham sendo pressionad­as há duas semanas. Os casos de covid-19 não param de chegar”, disse.

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