O RASTRO DA DESTRUIÇÃO
Santa Maria de Itabira conta mortos e prejuízos após temporais do fim de semana. Espécie de síntese da tragédia das chuvas em MG, cidade foi praticamente toda afetada por inundação ou deslizamentos
Depois da tempestade, dos deslizamentos, da inundação e das mortes, um dia em meio à lama, à dor dos parentes de vítimas e à contagem dos prejuízos. Arrasada pelos temporais do fim de semana, Santa Maria de Itabira, na Região Central de Minas, despertou ontem chorando as mortes de seis pessoas e com praticamente toda a população de 10,8 mil habitantes e autoridades mobilizadas para dar conta de vias obstruídas, pontes condenadas, carros destruídos e casas tomadas por água, barro e lixo em toda a área urbana. Localizada no Vale do Rio Girau, a cidade ficou imprensada entre encostas que deslizavam e o leito do curso d’água, que subiu, invadindo moradias. Em meio ao mutirão para tentar restabelecer serviços essenciais e limpar as ruas, o apelo é por doações de água e mantimentos, pois os estoques que não foram atingidos estão no fim. Ontem, foi resgatado o último corpo entre as vidas perdidas, uma criança de 5 anos que foi soterrada. Com a tragédia, subiu para 21 o número de mortos no atual período chuvoso no estado, que segue em alerta laranja para o risco de mais chuvas e já conta mais de 10 mil pessoas expulsas de suas casas. Em Carangola – cidade da Zona da Mata também muito castigada –, o governador Romeu Zema acompanhou os trabalhos dos Bombeiros e da Defesa Civil e assegurou que haverá verbas para reconstrução.
Os temporais que atingem Minas Gerais nos últimos dias ainda não têm previsão para terminar e o estado segue em “alerta laranja” para o risco de mais chuvas intensas. Cidades ainda contam os estragos. Ontem, o governador Romeu Zema (Novo) visitou Carangola, na Zona da Mata, onde pontes e ruas foram destruídas devido às tempestades. Santa Maria de Itabira, na Região Central, por sua vez, passou o dia em trabalho para desobstruir ruas, atender desabrigados e chorar seis mortos nas enchentes e deslizamentos do fim de semana. Em todo o estado, já são 21 vidas perdidas em ocorrências relativas ao período chuvoso (outubro a março) e mais de 10 mil pessoas que tiveram de deixar suas casas, entre desabrigados e desalojados.
Na noite de ontem, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou uma medida provisória que garante ajuda de R$ 450 milhões para cidades atingidas por chuvas. Mais cedo, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já havia adiantado que um socorro estava sendo preparado para auxiliar municípios castigados por temporais.
Os indicadores meteorológicos indicam que a chuva não vai cessar em Minas. O restante do mês de fevereiro ainda deve ser de muita nebulosidade, e, pelo menos até os próximos dias, Minas segue sob alerta laranja, que significa a possibilidade de precipitações de maior intensidade. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), pode ocorrer chuva entre 30 e 60 milímetros por hora ou 50 e 100 milímetros por dia. Os ventos também são intensos, podendo chegar a 100km/h. Há risco de raios, corte de energia elétrica, queda de galhos de árvores e alagamentos em todas as regiões do estado.
A explicação para as tempestades no decorrer deste mês é a atuação das áreas de instabilidade atmosféricas associadas à Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Esse fenômeno, considerado normal nesta época do ano, foi também responsável pelas fortes chuvas em janeiro do ano passado, que devastaram Belo Horizonte e cidades da região metropolitana. Desta vez, ele assola mais concentradamente a Região Leste do estado, mas, segundo o meteorologista do Inmet Lisandro Gemiacki, todo o território está sujeito aos altos volumes de chuva.
“Geralmente ocorre a formação desses sistemas ao longo da estação chuvosa que vai até março, favorecendo a formação de nuvens de diferentes formas, tanto a garoa quanto tempestades de intensidade forte que podem causar mais transtornos. A composição desses dois tipos de chuvas favorece muito os deslizamentos”, alerta Lisandro. “Praticamente todo o estado está sendo atingido por precipitações fortes. Temos percebido volume de chuva acima dos 100 milímetros em todas as regiões do estado”, observou.
Especialmente na área Central, Zona da Mata e Vale do Aço, o volume de precipitação pode provocar enxurradas e alagamentos, além de elevação do nível dos córregos e rios, o que pode causar transtornos à população. “Na Zona da Mata, o relevo é mais acidentado, então a resposta em termos de enchente é muito rápida. Mas a chuva está acontecendo em várias regiões do estado”, explicou. No caso de Santa Rita de Itabira o relevo também contribuiu, já que a cidade fica em um vale, cujas paredes registraram desmoronamento, contribuindo para o transbordamento do Rio Girau, que corta o município.
Lisandro ressalta que esse fenômeno durante o verão é versátil. “A Zona de Convergência do Atlântico Sul tem característica de, às vezes, provocar chuva contínua e também dá condições de pancadas isoladas no fim da tarde e noite. Além de poder acontecer os dois juntos também”, explica. “A previsão é manter essa mesma condição variando de chuvas mais intensas com chuvas contínuas por pelo menos os próximos cinco dias, com muita chance de temporais isolados em praticamente todo o estado”.
ABAFAMENTO De acordo com o Inmet, hoje (23/2) será mais um dia de tempo instável. Haverá muitas nuvens, principalmente no Centro-Norte, Leste e Zona da Mata, com momentos de abertura do céu, favorecendo a ocorrência de pancadas de chuva e trovoadas nesses setores. No restante do estado, as nuvens aumentam ao longo do dia e as pancadas de chuva tendem a ocorrer preferencialmente à tarde e à noite. As temperaturas seguem estáveis, mantendo a sensação de abafamento dos últimos dias.
A previsão de pancadas de chuva segue em municípios afetados no fim de semana, como Manhuaçu, Carangola e Santa Maria de Itabira. De acordo com o boletim divulgado pela Defesa Civil Estadual, desde outubro do ano passado até ontem, Minas soma 9.807 desalojados – pessoas que precisaram sair de suas casas. Os desabrigados – pessoas que necessitaram de abrigo público, como habitação temporária –, chegaram a 1.358.
Enquanto isso, o órgão tem realizado uma série de ações humanitárias de assistência aos atingidos para minimizar o sofrimento daqueles que tiveram que deixar suas casas. Foram distribuídos 845 colchões, 505 kits limpeza (detergente, sabão em barra, esponja dupla face, água sanitária, lã de aço, sabão em pó, pano de chão), 715 kits de higiene (sabonete, papel higiênico, absorvente, creme dental, escova de dentes) e outros 4.772 itens avulsos como água sanitária, vestuário, água mineral, álcool em gel, máscaras, face shield, lonas, kit dormitório e alimentação.
EM BH A capital mineira registra chuvas acima da média histórica neste mês. De 1º de fevereiro até as 9h de ontem, choveu na capital 383,2 milímetros, 111% acima da média para o mês, que é de 181,4 milímetros. O recorde de fevereiro mais chuvoso ainda é o de 1978, quando as precipitações alcançaram 487,3 milímetros na cidade. Para a meteorologista Anete Fernandes, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), este mês pode não bater esse volume, mas é possível que supere o total registrado em fevereiro do ano passado, quando choveu 392 milímetros na capital.. A temperatura na capital apresentou uma ligeira elevação. Ontem, a mínima foi de 16°C e a máxima de 28°C. . Hoje, a previsão é de mínima de 17°C e máxima de 28°C, com muitas nuvens e pancadas de chuvas ao longo do dia.