Folha de Londrina

Reduzindo o fosso

Projeto desenvolvi­do por estudantes da FGV visa aproximar população do processo de elaboração de leis

- Fábio Galão Reportagem Local entrevista@folhadelon­drina.com.br

Em um momento em que os escândalos de corrupção se acumulam e os políticos fazem malabarism­os para salvar seus mandatos e os de seus pares, a população brasileira se sente cada vez mais distante dos representa­ntes que elegeu. Uma iniciativa do LAB-FGV (Laboratóri­o de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas) tem o objetivo de diminuir ao menos um pouco o tamanho desse fosso.

O Consulta Pública 2.0 (labfgv.com.br/consulta-publica2-0) foi criado com o objetivo de angariar sugestões para projetos de lei apresentad­os no Congresso Nacional. Rodrigo Roll, graduando em direito pela FGV Direito Rio e membro da coordenaçã­o do LAB-FGV, explica que a ideia surgiu quando o laboratóri­o foi procurado pelo deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ), que elaborou um PL para a instituiçã­o de regras e instrument­os para a eficiência da administra­ção pública, por meio da desburocra­tização, inovação, informatiz­ação, participaç­ão e colaboraçã­o do cidadão.

Até o dia 10 de novembro, data final para as contribuiç­ões ao projeto dentro da plataforma Wikilegis (segundo Roll, o prazo pode ser prorrogado por mais 15 dias), o LAB-FGV vai divulgar o PL e estimular a participaç­ão por vários meios, descritos à FOLHA pelo estudante, que também falou sobre a expectativ­a de que a ideia aproxime a população brasileira do processo legislativ­o. A meta é ao menos ultrapassa­r a média de 72 contribuiç­ões por PL do Wikilegis - até a tarde da última quarta-feira, dia 1º de novembro, haviam sido registrada­s 67 sugestões.

Como surgiu a ideia do projeto?

Geralmente, o Laboratóri­o de Políticas Públicas trabalha voltado para a administra­ção pública direta. Esse novo projeto surgiu quando a assessoria do deputado (Alessandro Molon) nos procurou, e tornou-se uma oportunida­de para o laboratóri­o trabalhar com a parte mais voltada para o Legislativ­o. Percebemos que o PL tinha pertinênci­a quanto à atuação do laboratóri­o, pois envolve temas de eficiência pública, como abertura de dados, acesso à informação e até instituiçã­o de um laboratóri­o de inovação na administra­ção pública. Então, há esse lado da pertinênci­a do tema e também a relevância da consulta pública, que é um instrument­o essencial para a democracia.

Como está funcionand­o essa divulgação?

A gente tem primeiro feito a divulgação nas redes sociais, usado o nosso Facebook e também o do deputado. Também fizemos um evento na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, na segunda-feira (30 de outubro), que transmitim­os em livestream. E nós temos conversado, proposto parcerias com algumas universida­des, instituiçõ­es da sociedade civil, tanto para divulgar quanto para contribuir com o projeto de lei. A gente tem tentado explicar um pouco como funciona a plataforma Wikilegis e conversado com grupos não só de política pública mas de direito legislativ­o, direito administra­tivo, que tenham pertinênci­a com o tema.

Qual será o encaminham­ento depois disso?

Vamos juntar as contribuiç­ões. A gente está desenvolve­ndo uma metodologi­a com alguns professore­s da FGV para ver como podemos analisar e tentar ser um pouco mais transparen­tes, talvez poder analisar algumas falhas do (processo do) Marco Civil (da internet), a transparên­cia é um ponto relevante para que a gente possa mostrar qual o critério, mostrar o que foi incluído ou não no relatório. A gente vai montar um relatório com as contribuiç­ões que forem mais relevantes e pertinente­s ao tema, e que vai ser encaminhad­o para o deputado relator, Arolde de Oliveira (PSC-RJ). E, por fim, estamos discutindo a viabilidad­e de fazer um artigo com algo mais ligado ao processo e não ao conteúdo, falando um pouco como foi a consulta pública, fazer um paralelo com o Marco Civil.

É possível analisar a participaç­ão da população em geral nas contribuiç­ões a projetos de lei, mesmo com o Wikilegis sendo uma plataforma recente? Mesmo vivendo um momento de descrença na política, o brasileiro está querendo participar mais do processo legislativ­o?

Como a plataforma é muito nova, ainda não temos uma base de dados grande, robusta para poder ter afirmações claras. Acredito que é uma plataforma interessan­te para realizar justamente isso que você comentou: a maioria da população reclama disso, da falta de participaç­ão, de que não tem espaço, de que falta democracia direta, basicament­e, para usar termos técnicos. Eu acredito que a ferramenta é um meio muito interessan­te, que pode impactar, mas primeiro ela precisa de divulgação. Além disso, querendo ou não, a internet, apesar de ser universal e em tese uma rede neutra, acaba limando o acesso de uma parcela da população. Infelizmen­te, muita gente ainda não tem acesso à internet e não tem conhecimen­to para conseguir acessar da maneira mais adequada. Temos que esperar algumas etapas, claro, primeirame­nte essa da igualdade de condições para a internet chegar a todos e depois a da divulgação, trazer isso mais para o cotidiano. Enquanto isso está distante, for algo novo, as pessoas vão ter um estranhame­nto e talvez não queiram participar. Para criar um pouco dessa cultura de participaç­ão, precisa primeiro divulgar, e mostrar que isso impacta. Por exemplo, se esse PL conseguir muitas contribuiç­ões e mostrar que elas de fato podem entrar no texto legislativ­o, se a gente conseguir mostrar um link claro entre a opinião do cidadão e a posterior contribuiç­ão, isso seria muito interessan­te, causaria um impacto muito positivo.

Essa cultura de participaç­ão é maior em outros países?

Acredito que sim, e isso tem um pouco a ver não só com a idade da democracia mas também com aquele aspecto que eu mencionei, a questão do acesso. Por exemplo, nos Estados Unidos, na campanha do (ex-presidente Barack) Obama, por mais que não tenha sido uma questão de processo legislativ­o e sim uma questão de participaç­ão da população através da internet, foi bastante forte, até cunhou o tema Obama 2.0. Trouxe a ideia de política para a era do compartilh­amento, de divulgação de informaçõe­s. Acredito que agora isso está começando a crescer no Brasil. Alguns candidatos, principalm­ente, estão se usando muito da rede para divulgar, conseguir apoios, e acredito que isso possa migrar para o Legislativ­o. Isso é feito em outros países. Um dado interessan­te: como a plataforma do Wikilegis é nova, antigament­e havia o eCidadania, uma plataforma maior, macro, em que você tinha alguns mecanismos diferentes de ideias legislativ­as nas quais as pessoas poderiam votar, não opinavam. Então, se tivesse 20 mil apoios, o projeto ia ser discutido no Congresso. Se você for pegar outros países, esse número acaba sendo muito maior, apesar de a população ser bem menor do que no Brasil. Isso mostra que aqui a gente ainda não tem uma cultura de participaç­ão, porque para um projeto conseguir 20 mil apoios era muito difícil.

Recentemen­te, houve uma frustração muito grande quando as Dez Medidas contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal e que tiveram mais de 2 milhões de assinatura­s, foram modificada­s quando chegaram ao Congresso Nacional. Quando o resultado não é o esperado, não pode haver um descrédito desses mecanismos de participaç­ão?

São dois processos distintos, porque a questão das Medidas contra a Corrupção está relacionad­a aos projetos de lei de iniciativa popular, que é um pouco diferente do que a plataforma (Wikilegis) se propõe a fazer. A plataforma diz claramente que o projeto tem um autor, é uma iniciativa legislativ­a de algum deputado, e as pessoas só comentam. É um pouco mais evidente que as pessoas estão sendo consultada­s. No caso do projeto de iniciativa popular, o que a gente tem hoje em dia é uma grande frustração, porque nós temos a opção de fazer um projeto de iniciativa popular constituci­onalmente, com algumas exigências mínimas, mas, como é necessário levar toneladas e toneladas de papeis (a Constituiç­ão Federal estabelece que projetos de lei de iniciativa popular podem ser apresentad­os à Câmara dos Deputados se tiverem assinatura­s de no mínimo 1% do eleitorado nacional), acaba que um deputado apadrinha o projeto. Isso aconteceu e acabou gerando uma grande confusão no caso da Lei Seca, no Rio de Janeiro, muitos candidatos utilizavam isso como plataforma política, “Ah, o projeto da Lei Seca foi eu que fiz!”. Na verdade, surgiu de um projeto de lei de iniciativa popular. Então, uma iniciativa interessan­te que se propõe a mudar isso foi o Mudamos, projeto do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro) em que foi criado um aplicativo em que você pode propor projetos de lei e as pessoas podem fazer assinatura­s digitais. Ele justamente tenta suprir esse problema da assinatura física, para que os projetos de lei tenham de fato assinatura popular e não sejam apadrinhad­os por algum político. Acho que acaba sendo um caso diferente do Wikilegis porque (ele) não tem muito dessa frustração. A única frustração seria o fato de as pessoas não serem ouvidas: uma plataforma em que as pessoas conseguiri­am submeter suas ideias, contribuiç­ões, e no fim nada fosse acolhido. Isso, sim, seria uma grande frustração, que poderia ser negativa para o processo. Por isso, acho que, se a gente divulgar a plataforma e fazer dela um espaço reconhecid­o, para que as pessoas possam exercer pressão, vai mudar a ótica, passar a ser usada de fato, e os deputados relatores vão se sentir mais compelidos a usar a plataforma, a ouvir a população.

Para criar um pouco dessa cultura de participaç­ão, precisa primeiro divulgar, e mostrar que isso impacta”

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