Folha de S.Paulo

Devotos de são Nunca

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Bernardo Guimarães; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

PIOR QUE a comunicaçã­o do Banco Central do Brasil, apenas sua gestão de política monetária. No dia 23 de dezembro de 2014, quando divulgou o último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) daquele ano, o BC, contrarian­do sua mensagem inicial de “parcimônia” no “esforço adicional de política monetária”, afirmou que iria “fazer o necessário para que [em 2015] a inflação [entrasse] em longo período de declínio, que a [levaria] à meta de 4,5% em 2016”.

A partir de então o BC, seja por meio de sua comunicaçã­o oficial (RTI e atas), seja por meio dos pronunciam­entos dos membros de sua diretoria, compromete­u-se a trazer a inflação de volta a 4,5% em 2016. Em particular, o diretor Tony Volpon assegurou que votaria “pelo aumento de juros até que nossa projeção de inflação esteja de maneira satisfatór­ia apontando para o centro da meta”.

A frase, é bem verdade, custoulhe a participaç­ão na reunião do Copom em julho, por haver supostamen­te antecipado seu voto, mas seu conteúdo jamais foi contestado pelos demais membros do comitê. Pelo contrário, a partir daquela reunião o BC passou a enfatizar que a “manutenção da [Selic], por período de tempo suficiente­mente prolongado, [seria] necessária para a convergênc­ia da inflação para a meta no final de 2016”, sugerindo que sua mensagem acerca do retorno da inflação para 4,5% deveria ser levada a sério.

Como já deve ter ficado claro ao longo das minhas colunas, jamais cometi o pecado de levar a sério as afirmações do BC, em linha com a imensa maioria dos colegas de profissão, que, mesmo em face das inú- meras promessas, nunca trouxe as projeções de inflação para o ano que vem abaixo de 5,4%.

A razão para isso me parece simples: até em circunstân­cias menos graves do que a atual o BC repetidame­nte falhou em sua tarefa, revelando uma fraqueza intrínseca; se técnica, política ou de caráter (ou todas simultanea­mente), é ainda matéria de debate, mas dúvida não resta de que essa diretoria se mostrou incapaz de fazer o que todas as demais em alguma medi- da haviam conseguido.

E seu comportame­nto recente revela os mesmos erros do passado. No RTI divulgado em setembro, o próprio BC previa que a inflação de 2016 deveria ficar em 5,3%, mesmo se mantivesse constante a taxa de juros, o que mostrava a insuficiên­cia de sua política, em flagrante contradiçã­o com a promessa da convergênc­ia da inflação para a meta noanoqueve­m.

Em vez de corrigir esse problema pelo ajuste da política monetária, porém, o BC adotou a linha da presidente: não vai dizer qual é a meta e, quando lá chegar, haverá de dobrá-la.

Não pode ser outra interpreta­ção da mudança de seu comunicado: em vez de prometer a inflação na meta em 2016, o compromiss­o agora é que a convergênc­ia se dará no “horizonte relevante para a política monetária”, sem, é claro, especifica­r que prazo é esse, embora eu acredite que, na prática, isso signifique algo entre “fiado só amanhã” e o “dia de são Nunca”.

E, se o BC crê, como parece, que a extensão do prazo de convergênc­ia tornará seu serviço mais leve, sugiro que monitorem as expectativ­as de inflação para 2016 e 2017, novamente em alta em resposta à sua posição mais frouxa. Conversa fiada, sem ação, só empurra mais acima um alvo que compreensi­velmente se recusa a ficar parado.

A diretoria do BC se mostrou incapaz de fazer o que todas as demais em alguma medida haviam conseguido

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman

aschwartsm­an@gmail.com

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