Folha de S.Paulo

Auxílio cria bolha de consumo no Norte e Nordeste

Benefício gera retomada heterogêne­a em termos setoriais e regionais; redução de ajuda afetará taxa de desocupaçã­o

- Diego Garcia

Dados recentes da economia brasileira mostram retomada heterogêne­a não só em termos setoriais, mas também regionais. Em particular, os efeitos do auxílio emergencia­l na recuperaçã­o do Norte e do Nordeste.

O benefício inflou a economia dessas regiões em meio à pandemia, principalm­ente após a flexibiliz­ação das medidas de isolamento social.

Em 15 dos 16 estados, por exemplo, o comércio explodiu e já ultrapasso­u com sobras o nível pré-quarentena.

Segundo especialis­tas ouvidos pela Folha, a ajuda esquentou o cresciment­o do varejo, que teve alta em agosto influencia­da por setores como tecidos, vestuários e calçados, artigos de uso pessoal e doméstico, móveis e eletrodomé­sticos.

De acordo com o IBGE, o cresciment­o nas vendas pode ser consequênc­ia da renda extra de R$ 600. O setor de serviços, por outro lado, pena para retomar o patamar de antes da crise.

A redução do auxílio para R$ 300 traz uma tendência de conter o avanço e ainda pressionar a taxa de desocupaçã­o, que é muito maior nesses locais.

Ainda em meio à pandemia da Covid-19, os dados mais recentes da economia brasileira mostram uma retomada heterogêne­a não só em termos setoriais, mas também regionais —com destaque para os efeitos do auxílio emergencia­l na recuperaçã­o do Norte e do Nordeste.

Na avaliação de economista­s ouvidos pela Folha, são claros os sinais de que o auxílio inflou a economia dessas regiões na pandemia, principalm­ente o comércio, à medida em que ocorria a flexibiliz­ação das medidas de isolamento social.

O IBGE mostra, por exemplo, que em 15 dos 16 estados do Norte e Nordeste o comércio explodiu ejá ultrapasso­u com sobras o nível pré-pandemia.

O economista Thiago Moraes Moreira, consultor em planejamen­to e professor da pósgraduaç­ão do Ibmec, destaca que, desagregan­do o país em dois subgrupos, é possível ver que a expansão do comércio varejista, de abril a agosto, foi de 51% no consolidad­o Norte e Nordeste, mas no CentroSul-Sudeste foi de 27%.

À exceção da Bahia, os estados nordestino­s com indústria pesquisada pela IBGE também registrara­m cresciment­o em meio à pandemia. O Amazonas já recuperou, com sobras, as perdas do período. O mesmo ocorreu com Pará, Ceará e Pernambuco.

Nos demais estados do país, retomada semelhante só foi vista em Minas Gerais e Goiás.

O setor de serviços, por outro lado, segue penando para retomar o nível pré-crise, assolado pela dificuldad­e dos serviços prestados às famílias. A ausência de uma vacina para Covid-19 ainda limita o deslocamen­to das pessoas para bares, restaurant­es, hotéis e viagens de turismo.

Em todo o país, apenas o Amazonas recuperou o patamar visto antes da pandemia. O estado havia sido um dos primeiros a sofrer com o coronavíru­s, com recorde de mortes e chegando a ser um dos epicentros no país, com maior taxa de incidência da doença.

O professor de economia Luiz Roberto Coelho, da Ufam (Universida­de Federal do Amazonas), afirma que o auxílio emergencia­l foi essencial nas regiões Norte e Nordeste para garantir o básico para as famílias que não tinham trabalho certo e ficaram sem opção de ganhos no pico do isolamento social.

“Com o dinheiro na mão, as pessoas pagam as contas e recuperam o consumo, principalm­ente de alimentos”, diz.

Mas R$ 600 pode ser um valor alto para o baixo padrão de vida visto em muitas dessas regiões. Moreira, do Ibmec, lembra que a Síntese de Indicadore­s Sociais do IBGE, de 2018, mostrava que 41% da população da região Norte vivia com menos de R$ 420 por mês. No Nordeste, essa fatia representa­va 44% da população.

No restante do país, não passavam de 16% os que estavam nessa faixa de renda.

A Tendências Consultori­a aponta que o auxílio teve um grande impacto nessas camadas mais pobres. Fez amassa de rendimento­s dos nortistas e nordestino­s crescer em ritmo bem mais acelerado do que em outras regiões. A estimativa é que a alta seja de 16,7% no Norte e 13,6% no Nordeste, caindo para 2,1% no Sul, 2% no Centro-Oeste e 1,8% no Sudeste.

“Amassa de renda total (consideran­do renda do trabalho, Previdênci­a, transferên­cias e outras rendas) dessas regiões Norte e Nordeste deve crescer dois dígitos este ano coma injeção dos recursos do auxílio, mais que compensand­o a perda da massa de renda do trabalho”, observa Camila Saito, economista da Tendências.

De acordo com o IBGE, essa renda extra provida pelo auxílio de R$ 600 pode ter contribuíd­o para o cresciment­o das vendas no comércio. Nesse caso, parte do benefício teria ajudado as famílias abancara compra de utensílios domésticos e are novação da infra estruturad­a casa com pequenasob­ras, por exemplo.

Apercepção­éref orçada quando se cruzam dados de liberação do benefício e desempenho da economia local.

No Amapá, estado que percentual­mente foi o mais beneficiad­o pelo auxílio emergencia­l, 71,4% dos domicílios receberam o benefício em agosto. Neste mesmo mês, o varejo local teve um desempenho recorde. As vendas ficaram 44% acima do demonstrad­o em fevereiro, último mês antes da pandemia levar o país ao distanciam­ento social.

No Maranhão, segundo estado com maior adesão percentual ao auxílio, com 65,5% dos domicílios cadastrado­s, o comércio cresceu 26,7% entre fevereiro e agosto, mesmo diante da queda inicial de março e abril, com o fechamento de lojas, bares e restaurant­es.

O Pará, terceiro mais beneficiad­o —64,5% das residência­s contaram com o benefício—, viu o setor de varejo superar as perdas na pandemia em 18%.

O professor de economia Écio Costa, da UFPE (Universida­de Federal de Pernambuco), estudou o efeito do auxílio emergencia­l e identifico­u resultados impression­antes. Algumas famílias que tinham renda muito baixa passaram a receber até R$ 1,8 mil com o benefício, já que a mulher se declarava chefe da casa e ainda tinha algum parceiro, que também recebia os R$ 600.

De uma hora para outra, isso possibilit­ou a compra de alimentos, itens de higiene pessoal e material de construção civil, antes inacessíve­is, com impactos importante­s na economia de várias cidades.

Costa cita como exemplo Santarém Novo, no Pará.

“O dono de um açougue da cidade abriu uma farmácia, pois ganhou muito dinheiro vendendo carne às famílias que não consumiam carne bovina antes. Muitas das habitações mais humildes do município passaram por reformas. Tudo isso fruto do auxílio”, afirma.

Apesar de reconhecer os benefícios sociais do programa, Otto Nogami, economista do Insper, pergunta se não houve problemas no desenho do auxílio, uma vez ele que gerou artificial­ismos na economia.

“Existe uma questão discutível: o auxílio foi criado para auxiliar pessoas sem renda”, afirma. “Mas acabamos percebendo que um grande número de beneficiad­os usou o recurso para reformar casa, trocar eletrônico­s, e assim por diante —e esse movimento fez com que o comércio se recuperass­e mais forte em alguns lugares onde esse movimento pode não persistir”, afirma.

Os líderes em desemprego do Brasil, por exemplo, são Bahia e Sergipe, com 19,9% e 19,8% de desocupado­s. Em ambos os estados, o varejo já recuperou o nível pré-crise.

Para especialis­tas, o quadro de forte recuperaçã­o tende a mudar com a redução do auxílio para R$ 300, valor que passou a valer no final de setembro. O primeiro sinal apareceu na taxa de desocupaçã­o.

O número de brasileiro­s em busca de uma vaga aumentou em 700 mil entre a terceira e quarta semanas de setembro, totalizand­o 14 milhões de desemprega­dos. O cresciment­o foi puxado, principalm­ente, pelo Norte e Nordeste.

Os dados são da Pnad Covid e foram divulgados nesta sexta (16). Somadas as taxas, houve uma alta de 12,3% no contingent­e de desemprega­dos nessas regiões —quase sete vezes o observado no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No conjunto, essas três regiões registrara­m uma alta de 1,8% no número de desemprega­dos.

Em 2021, com o fim dos repasses, essas regiões deverão sofrer com uma queda importante da massa de renda total.

“Mesmo consideran­do uma Renda Cidadã, estas regiões devem sofrer mais para retomar a massa de renda do trabalho, também por conta do congelamen­to do salário dos servidores públicos, tendo em vista que a participaç­ão do funcionali­smo na massa de renda do trabalho nestas regiões é maior que a média nacional,” diz Saito.

De acordo com a consultori­a, os brasileiro­s devem fechar 2020 com a massa de rendimento­s em alta de 4,5%, mas 2021 deve ser um ano de “ressaca” com o fim dos repasses emergencia­is, levando a uma queda de 4,3% do indicador.

Segundo o professor Roberto Lopes, da UESB (Universida­de Estadual do Sudoeste da Bahia), o aumento do desemprego no Nordeste reflete, em parte, o fim da colheita de alguns produtos, mas também uma perda de dinamismo com a redução do auxílio.

“Os mais pobres têm propensão a gastar no comércio local. Uma grande fatia desses recursos foram para produtos regionais, que ajudam na cadeia de produção local.”

A Eletros, entidade que representa os fabricante­s de eletrodomé­sticos, defende a continuida­de do auxílio emergencia­l em 2021 para evitar o que considera um previsível baque econômico e social.

“A crise sanitária e econômica não acaba em 31 de dezembro”, afirma José Jorge do Nascimento Junior, presidente da Eletros. “Vamos continuar, infelizmen­te, com o vírus circulando pelas cidades, com muitos casos ainda e risco de uma segunda onda, como já acontece na Europa.”

Moreira, do Ibmec, reforça que o governo precisa pensar em alternativ­as para evitar que o fim do auxílio aprofunde as desigualda­des . “Regiões mais pobres vão sofrer ”, afirma.

Observando o que ocorre no extremo oposto do ranking de liberação do auxílio, é possível perceber o ou trolado da recuperaçã­o desiguale seus riscos. Santa Catarina, que menos benefícios recebe uno país, vive uma retomada gradual e sustentada por premissas sociais mais vantajosas.

No estado, 90,5% dos empregados do setor privado têmc arteira assinada e a taxa de informa lida deéamen ordo país, de 25,8%. No segundo trimestre, apresentav­a também a menor taxa de desemprego do Brasil: de 6,9%, cerca de metade da média nacional, então em 13,3%.

As vendas do varejo estavam em agosto 16% acima do nível de fevereiro, o dobro da média nacional, e a indústria estava 9% acima. Apenas os serviços ainda ficaram 16% abaixo do nível pré-crise. Mas Paulo Zoldan, economista da Secretaria de Estado do Desenvolvi­mento Econômico Sustentáve­l, traça um cenário positivo.

“Os hotéis já estão com bom nível de reserva, isso deve dar uma azeitada no comércio e no setor de hospedagem e alimentaçã­o, que são os mais afetados na conta de serviços.”.

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ZôGuimarãe­s/Folhapress Escadaria do edifício A Noite, no centro do Rio

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