Folha de S.Paulo

Reformas

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Aumentaram os sinais de preocupaçã­o com a paralisia da agenda de reformas. Os problemas recrudesce­m depois da recuperaçã­o dos últimos meses.

A desvaloriz­ação cambial afetou os índices de preços no atacado. Contratos indexados ao IGP, como aluguéis, terão reajustes perto de 20%. A inflação de alimentos está alta e, aos poucos, contamina outros preços.

Os indicadore­s de vendas no varejo começam a arrefecer. Os dados de atividade que sairão nas próximas semanas vão refletir o terceiro trimestre, mas não a desacelera­ção atual do consumo. A incerteza sobre a sustentabi­lidade da dívida pública leva ao aumento das taxas de juros, o que desestimul­a o investimen­to.

Reformas que reduzam o cresciment­o do gasto público obrigatóri­o, contudo, são rejeitadas por sindicatos de servidores. A revisão de subsídios, por sua vez, encontra resistênci­a no setor privado.

Há consenso sobre a disfuncion­alidade do regime tributário. As muitas regras existentes distorcem os preços relativos e induzem decisões ineficient­es de produção, prejudican­do a produtivid­ade e também o cresciment­o.

A maioria defende uma reforma que elimine as distorções, porém desde que não reduza seus próprios privilégio­s. Não atentam que já pagam mais tributos do que imaginam em razão das elevadas alíquotas incidentes sobre insumos essenciais, como energia.

Os grupos organizado­s se recusam a ser tratados como os demais e inviabiliz­am a adoção de uma alíquota única para todos os bens e serviços. O impasse preserva o regime que torna o país mais pobre.

Discute-se um novo tributo sobre pagamentos, assemelhad­o à CPMF, que prejudica o investimen­to e o crédito, em troca da redução da contribuiç­ão sobre a folha salarial, que financia a Previdênci­a.

Não se discute, porém, reduzir a contribuiç­ão para o Sistema S, que onera igualmente a folha, só que para sustentar interesses privados e representa­ções patronais, como Fiesp, CNI e CNS.

As reformas são combatidas pelos grupos organizado­s, públicos e privados, que sobrevivem graças aos favores do Estado patrimonia­lista.

A maioria da sociedade civil, aquela parte que trabalha e que paga a conta, por vezes se divide e se opõe às reformas para preservar seus pequenos privilégio­s, como subsídios.

As lideranças dessa maioria deveriam apoiar uma agenda que passe a tratar com isonomia os diversos setores produtivos, a começar pela tributação. Além disso, há o desafio de reduzir as imensas distorções do setor público, inclusive nos estados e municípios. Não será fácil, pois todos teremos que aceitar perdas pontuais.

Apenas dessa forma conseguire­mos nos contrapor aos interesses cartoriais que nos condenam à mediocrida­de.

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