Folha de S.Paulo

Boa notícia é que discurso bolsonaris­ta não ganhou nenhuma cidade grande

Eleição foi o começo de uma virada no debate no país

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

Foi uma eleição de continuida­de administra­tiva e de um início de virada no debate de ideias. A centro-direita, que era situação em quase toda parte desde 2016, foi a grande vencedora das urnas, e a esquerda foi bem onde já tinha boa reputação de administra­ção competente. Mas a grande notícia é que ninguém ganhou cidade grande com discurso bolsonaris­ta. Quem tentou, morreu pendurado na mamadeira.

A vitória de Bruno Covas (PSDB) em São Paulo não foi nenhuma surpresa. Foi uma eleição de continuida­de e de reeleições, com viés de centrodire­ita. O perfil de Covas é semelhante ao de Eduardo Paes (DEM), Alexandre Kalil (PSD) ou Bruno Reis (DEM), todos eleitos com votações expressiva­s, os dois últimos vencedores em primeiro turno. Boa sorte para o novo prefeito.

O que é impression­ante é que um sujeito com “Covas” no nome, concorrend­o pelo PSDB em São Paulo, chegue aos últimos dias da campanha desesperad­o para ganhar do candidato do PSOL.

A campanha de Boulos e Erundina foi brilhante, e toda a esquerda faria bem em aprender com ela.

Chapa bem escolhida, linguagem ágil, bom uso das redes. Ajudou a esclarecer a população sobre a luta dos semteto e sobre a necessidad­e de regulariza­ção fundiária. As propostas do programa eram boas, embora realmente não custasse nada a campanha dizer “Vamos cumprir a lei de responsabi­lidade fiscal” —era óbvio que ia, é a lei, Erundina foi um exemplo notável de responsabi­lidade fiscal quando foi prefeita, Boulos não é maluco.

Foi um grande salto de qualidade com relação às candidatur­as de esquerda recentes. Boulos e Erundina tiveram um resultado tão bom que a gente nem precisa se consolar com aquelas conversas de “não queria estar do lado dos que venceram”, “quem estava comigo nas trincheira­s”, enfim. Isso tudo é pra quando você perde feio, aí vai fazer o quê? Faz poema, é o que sobrou. Perder acumulando forças, gerando ideias e dando a direção das próximas disputas não gera esse trauma todo, não.

O que deve preocupar a centro-direita é que Boulos e Erundina encontrara­m receptivid­ade com gente de centro, gente com quem os tucanos, até 2018, poderiam contar em um segundo turno contra o PSOL.

A candidata da Rede, Marina Helou, em quem muitos de meus amigos liberais votaram, fechou com Boulos no segundo turno. A deputada federal Tabata Amaral (PDT), que sempre atraiu grande simpatia do centro, apoiou Boulos.

Não é que esses apoios tenham custado muitos votos para Covas, é que essas pessoas são participan­tes ativas do debate de ideias, e o debate de ideias parece ter se tornado muito, muito menos hostil à esquerda do que era até 2018.

Mas é aquilo, né, amigos da centro-direita? Vocês esperam ter a mesma reputação apoiando Bolsonaro que tinham quando apoiavam Fernando Henrique Cardoso? Quando o avô do prefeito eleito apoiava a então petista Marta Suplicy contra Maluf? Não dá. Vão ganhar debate de ideias representa­dos pelo Guedes? Sustentand­o o sujeito que colocou aquele idiota dirigindo a Fundação Palmares?

É sempre difícil interpreta­r o que as eleições municipais dizem sobre a eleição presidenci­al seguinte. Em 2016, o PSDB foi o grande vencedor, mas o recado não era esse; já se via a antipolíti­ca e a virada à direita. Em 2020, a antipolíti­ca foi fragorosam­ente derrotada. E as ideias novas que apareceram não são de direita.

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