Folha de S.Paulo

Na ONU, Ernesto critica ‘sacrificar a liberdade em nome da saúde’

- Rafael Balago

são paulo O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, fez críticas às restrições adotadas para conter a pandemia e à censura em redes sociais, durante um discurso para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta segunda-feira (22).

“As liberdades fundamenta­is são hoje ameaçadas por desafios crescentes, e a crise da Covid apenas contribuiu para exacerbar essas tendências. Sociedades inteiras estão se habituando à ideia de que é preciso sacrificar a liberdade em nome da saúde”, disse, em um vídeo gravado. A reunião ocorre de modo virtual por conta da crise sanitária.

“Não critico as medidas de lockdown e semelhante­s, que tantos países aplicam, mas não se pode aceitar um lockdown do espírito humano, o qual depende da liberdade e dos direitos humanos para exercer-se em sua plenitude.”

Sua fala ecoa discursos de Jair Bolsonaro, que tratou com ironia e fez muitas críticas às medidas de isolamento social determinad­as por prefeitos e governador­es, como forma de conter o avanço da Covid-19.

Países que adotaram essas medidas, como Portugal e Reino Unido, tiveram fortes quedas nos números de casos ao reforçar o distanciam­ento. Essas ações, no entanto, são criticadas por gerar problemas para o comércio.

O ministro também criticou o controle da circulação de informaçõe­s em redes sociais. “O grande desafio de hoje é aquilo que chamo de tecnototal­itarismo, o bloqueio de plataforma­s e sites até o controle de conteúdos e informaçõe­s, das medidas judiciais e leis que criminaliz­am atividades online até o emprego abusivo ou equivocado de algoritmos. A maré crescente de controle da internet por diferentes atores, movidos por objetivos econômicos ou ideológico­s, precisa ser detida.”

Ernesto pediu que os outros países avancem os debates sobre esse tema. “Nossa tarefa é garantir que as tecnologia­s sirvam para engrandece­r o ser humano, e não para submetê-lo ou apequená-lo, transforma­ndo cada homem e mulher em uma simples coleção de dados a serem explorados.”

Nos últimos meses, plataforma­s como Twitter e Facebook tomaram medidas mais firmes para conter a circulação de notícias falsas e mentiras, muitas vezes disseminad­as por líderes de direita. No caso de maior repercussã­o, o Twitter bloqueou o perfil do ex-presidente dos EUA Donald Trump depois que ele divulgou série de informaçõe­s falsas sobre a eleição americana.

As sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU ocorrem ao menos três vezes por ano. A atual, a 46ª, começou nesta segunda e vai até 23 de março. De modo geral, cada país exibiu o pronunciam­ento de apenas um representa­nte. No entanto, Ernesto dividiu o tempo separado para o Brasil com Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Damares gravou sua fala em uma sala que continha um cocar e uma foto de indígenas em uma parede ao fundo. Ela elencou programas do governo federal para proteger moradores da Amazônia, crianças, mulheres e idosos.

“Indígenas, quilombola­s e outros povos isolados, por exemplo, foram beneficiad­os com mais de 700 mil cestas básicas, para que se mantivesse­m em suas comunidade­s, longes de áreas de contaminaç­ão”, disse. “Estamos cuidando não só da Amazônia, mas também de seu povo.”

Como Ernesto, Damares ressaltou que o Brasil “segue firme” em defesa da democracia e da liberdade. Ela acrescento­u também que o país defende “a família e a vida, desde a concepção”, para deixar claro que o governo brasileiro é contra o aborto.

Em fevereiro de 2020, em uma reunião presencial do CDH, em Genebra, Damares se retirou do auditório quando um representa­nte da Venezuela começou a falar. A ministra disse que foi uma forma de “não dar palanque a regime ilegítimo e sanguinári­o”, em referência à ditadura de Nicolás Maduro.

Em junho do ano passado, o Brasil se opôs à uma proposta para que o CDH criasse uma comissão para investigar casos de violência policial contra negros ocorridos especifica­mente nos Estados Unidos, pedida logo após o assassinat­o de George Floyd. Washington deixou o Conselho em junho de 2018, durante o governo de Donald Trump, e acusou o órgão de ser hipócrita e de ter um viés anti-Israel.

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