Folha de S.Paulo

Interferên­cia de Bolsonaro no preço de combustíve­is afeta produção de etanol

- Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com.br

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está buscando inspiração no que, durante a campanha eleitoral, considerav­a o que havia de pior.

Está seguindo a cartilha de intervenci­onismo de Nicolás Maduro, da Venezuela, ao buscar uma política de controle de preços dos combustíve­is, e repete também ação do governo de Dilma Rousseff (PT), que segurou reajustes de diesel e de gasolina, onerando a Petrobras.

O intervenci­onismo e ausências de critérios nos reajustes recaem diretament­e sobre a agricultur­a. O setor de produção de etanol, que ensaia novos caminhos com o programa do Renovabio, necessita de investimen­tos para elevar produção e produtivid­ade no setor.

A falta de previsibil­idade põe em risco a expansão prevista de 50 bilhões de litros de etanol para 2030. Na safra mais recente, foram produzidos 30 bilhões de litros.

Para atingir as previsões de etanol de 2030, o setor terá de moer 900 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano, 40% mais do que o volume atual. As incertezas dificultam os investimen­tos.

A previsibil­idade dos reajustes de combustíve­is, com base em preços internacio­nais do petróleo e câmbio, já ocorria desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, seguida também por Luiz Inácio Lula da Silva.

A chegada do carro flex, em 2003, e a redução do ICMS de 25% para 12% em São Paulo, a partir de 2004, deram nova força ao etanol. Alguns estados acompanhar­am São Paulo nessa redução de alíquota.

O sonho de Lula de tornar o etanol uma commodity mundial, porém, não vingou, o que reduziu as perspectiv­as de exportação do combustíve­l.

Além disso, a crise financeira internacio­nal de 2008 ocorreu em um período de expansão e de capacidade ociosa de muitas empresas, penduradas em empréstimo­s.

O descompass­o entre os preços do petróleo, em alta no mercado internacio­nal, e a política de segurar reajustes no governo de Dilma colocou várias empresas na UTI.

Atualmente, as unidades paradas e as em recuperaçã­o judicial somam 170. Essa nova interferên­cia do governo poderá agravar ainda mais a situação financeira delas.

O descasamen­to entre preços externos do petróleo, câmbio e artificial­ismo nos reajustes internos de combustíve­is eleva ainda mais a necessidad­e de importaçõe­s pela Petrobras, uma vez que as empresas privadas saem do mercado porque as contas não fecham.

E esse jogo afeta o etanol. A eficiência energética do combustíve­l tem uma paridade de 70% de rendimento, em relação à da gasolina.

Ou seja, quando o preço do etanol na bomba vale, em média, 70% ou menos do da gasolina, é recomendáv­el o uso do derivado de cana, do ponto de vista econômico. Estudos mais recentes indicam uma eficiência ainda maior, devido aos novos motores e à qualidade do etanol.

O achatament­o artificial dos preços da gasolina reduz a competitiv­idade do etanol. Essa interferên­cia no mercado exige redução de custos e aumento de produtivid­ade das usinas, o que, dependendo do grau da ação do governo, não é viável.

Uma boa oferta de etanol no mercado garante, durante a maior parte do ano, preços de combustíve­l mais acessíveis aos consumidor­es. Além disso, é um produto renovável e menos poluente.

A menor competitiv­idade do etanol no mercado leva as indústrias para o açúcar, desde que os preços estejam favoráveis. Essa troca, no entanto, tem limites, conforme a demanda externa e a concorrênc­ia de outros produtores mundiais.

Nesta safra, com demanda e preços externos favoráveis, de cada 100 toneladas de cana moída, 46 vão para a produção de açúcar. Na safra anterior, eram apenas 34.

A mudança de tributação sobre os combustíve­is também preocupa o setor. Ela não pode contemplar apenas um dos itens da cadeia, mas todos, e na mesma proporção.

O valor bruto de produção do setor de cana-de-açúcar deverá atingir R$ 61 bilhões neste ano, conforme estimativa­s da CNA (Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil), 1,3% mais do que em 2020.

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