Folha de S.Paulo

Novo auxílio será ‘fura-teto’ e não exigirá corte de gasto social

- Vinicius Torres Freire

Muito barulho por não muito, enfim. Venceu Jair Bolsonaro, que desde o ano passado vetava quase qualquer sugestão de corte

são paulo Não haverá cortes obrigatóri­os de despesas a fim de compensar o novo auxílio emergencia­l que o Congresso deve aprovar em breve. É um dos artigos centrais do texto quase pronto da emenda constituci­onal que trata de gastos na epidemia, calamidade­s e de controles de gastos públicos.

Não haverá redução de salários de servidores, nem agora nem depois, tampouco corte de outros benefícios sociais.

De grande impacto, propõese a extinção do gasto mínimo em saúde e educação, o que pode implicar o fim da eficácia prática do Fundeb (a transferên­cia de recursos federais para a educação básica em estados e municípios). No Congresso, já se ouve queixa geral sobre o fim do gasto mínimo em saúde e educação —difícil que passe.

Muito barulho por não muito, enfim. Venceu Jair Bolsonaro, que desde o ano passado vetava quase qualquer sugestão de corte.

Não será preciso decretar calamidade para que se aprove o auxílio emergencia­l. Mas, no caso de o Congresso decretar calamidade nacional, nos dois anos seguintes ao fim dessa situação excepciona­l os governos deverão adotar medidas que contenham o aumento de gastos obrigatóri­os e com pessoal.

O novo auxílio emergencia­l que o Congresso deve aprovar em breve será um “fura-teto”. Isto é, essa despesa: 1) não estará sujeita ao limite constituci­onal de gastos deste ano; 2) não será contada no cálculo da meta fiscal (a diferença entre o que o governo gasta e arrecada, estipulada em lei anual); 3) não estará sujeita à regra de ouro (grosso modo, o governo não pode se endividar para pagar despesas além daquelas de investimen­to em obras, equipament­os etc.)

O que há de “compensaçã­o” em termos de controle futuro de gastos?

A versão “quase final” proposta de emenda constituci­onal 186 (PEC 186) especifica medidas a fim de evitar o estouro do teto de gastos —as regras até aqui eram confusas ou contraditó­rias. Se na aprovação da lei do Orçamento se verificar que a despesa obrigatóri­a do governo supera 94% da despesa sujeita ao teto, estará suspensa qualquer medida que eleve o gasto com pessoal (reajuste, benefício, contrataçã­o, promoção etc. com exceções menores), durante o ano de vigência do Orçamento. A novidade aqui é o “gatilho” dos 94%. A despesa obrigatóri­a já supera tal limite de 94% e assim deve ser em 2022.

Em outro artigo, governador­es e prefeitos ficam autorizado­s a adotar medidas de contenção de gasto caso a despesa corrente, calculada em um período de 12 meses, supere em 95% a receita corrente —a contenção pode durar enquanto durar o estouro deste limite.

Isto é, governador­es e prefeitos podem proibir mais gasto com pessoal ou outra despesa obrigatóri­a, o reajuste de despesa obrigatóri­a além da inflação, novos financiame­ntos, novos perdões de dívida ou não podem conceder ou ampliar benefícios tributário­s (redução específica de imposto para determinad­o setor ou grupo de cidadãos).

As mesmas medidas podem ser adotadas caso a despesa ultrapasse o limite de 85%, desde que com autorizaçã­o do Poder Legislativ­o.

Caso o governo federal, o Executivo, note que as receitas são insuficien­tes para cumprir metas fiscais do ano, precisa “contingenc­iar” (adiar até segunda ordem) parte da despesa prevista no Orçamento. Pela PEC, os demais Poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública terão de adotar cortes provisório­s na mesma medida definida pelo Executivo (vale também para estados, Distrito Federal e municípios).

Caberá ao Congresso decretar estado de calamidade nacional. Nesse caso, ficam suspensas várias normas de contrataçã­o de despesa pública e o cumpriment­o da “regra de ouro”. Dois anos depois da calamidade, União, estados, Distrito Federal e municípios teriam de adotar medidas de controle de despesa previstas naquele caso em que gastos superam receitas em 95% (contenção de gastos obrigatóri­os e com servidores).

A PEC estipula que o presidente da República terá de mandar ao Congresso uma lei de redução paulatina de benefícios tributário­s, em até seis meses depois da promulgaçã­o da emenda. Isto é, o valor das reduções especiais de impostos deverá baixar de pouco mais de 4% do PIB para 2% no prazo de oito anos.

Há exceções, como benefícios da Zona Franca de Manaus, de micro e pequena empresa, para produtos da cesta básica, para entidades filantrópi­cas de saúde, educação e assistênci­a social, para partidos, sindicatos, e no caso de benefícios concedidos no âmbito de fundos constituci­onais do Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Ou seja, nota-se que a PEC foi redigida a dedo e que vai ser, pois, difícil reduzir benefícios tributário­s.

A Constituiç­ão já prevê que uma lei complement­ar trate da dívida pública. Na PEC, estipulam-se várias providênci­as novas em relação a essa exigência: limite do valor da dívida, compatibil­idade entre metas fiscais e cresciment­o da dívida, métodos de ajuste, planejamen­to de privatizaç­ões a fim de abater dívida etc.

Enfim, de principal, a PEC também tenta evitar uma esperteza de municípios e/ou estados: não incluíam na despesa com pessoal os gastos com inativos ou pensionist­as. Agora, estaria previsto na Constituiç­ão o veto a essa manobra para gastar mais do que permitem os limites de despesa com pessoal.

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