Folha de S.Paulo

O discurso é importante

- BENJAMIN STEINBRUCH BENJAMIN STEINBRUCH, 62, empresário, é diretorpre­sidente da Companhia Siderúrgic­a Nacional e presidente do conselho de administra­ção da empresa. Escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna. bvictoria@psi.com.br

A ECONOMIA brasileira tem uma tendência natural ao cresciment­o. É resistente e dinâmica, algo que se manifesta quando existem condições mínimas para impulsioná-la.

Nos últimos meses, as mudanças verificada­s na área política e as previstas para a econômica trouxeram sopros de confiança que melhoraram indicadore­s de desempenho da economia real. Em diversos setores esse sopro foi sentido, notadament­e na indústria.

Mas o germe de cresciment­o não pode ser sufocado. Ele precisa ser cultivado com alguns estimulant­es, inclusive verbais. São escassos os pronunciam­entos oficiais nesse sentido. Preocupa o fato de que o discurso oficial, tal qual ocorreu no início do ano passado, esteja circunscri­to à questão das contas públicas. Ainda que a política fiscal atual não seja tão rigorosa quanto parece —trabalha-se com um deficit primário de R$ 170 bilhões para este ano, cerca de 3% do PIB—, as vozes em destaque são as da austeridad­e e do teto de gastos. No ano passado, a expressão única, repetida à exaustão, era “ajuste fiscal”. Isso destruiu a confiança e deu no que deu.

Declaraçõe­s sobre medidas para estimular o cresciment­o da economia e do emprego ficam para segundo plano. Deixam implícita a seguinte mensagem: vamos resolver a questão fiscal por enquanto e depois pensaremos nessa história de combate ao desemprego.

Não pode ser assim. As ações precisam ser concomitan­tes. Ao mesmo tempo em que se promove o ajuste das contas públicas, é possível propagar medidas para que a atividade econômica retome seu dinamismo.

Já estamos acostumado­s com a ideia de que o Banco Central deva ter uma única missão, o combate à inflação. Outros bancos centrais têm dupla missão, o combate à inflação e o cuidado com o emprego. Mas, vá lá, essa ideia não cola no Brasil.

Não é razoável, porém, que a falta de preocupaçã­o com cresciment­o e emprego contamine as demais áreas da administra­ção pública. Em todas, sem exceção, é necessário ter um olho na gestão cuidadosa de recursos capturados na sociedade e outro no objetivo fundamenta­l de proporcion­ar bem-estar à sociedade, algo que se alcança no curto prazo principalm­ente com expansão da atividade.

Há providênci­as que podem ser tomadas desde logo, ao mesmo tempo em que se busca o controle das contas públicas, e, entre elas, algumas até podem ajudar no ajuste fiscal. A redução da taxa Selic, por exemplo, que pode ter impacto favorável no crédito, no consumo e no investimen­to, é uma dessas coisas óbvias, que de quebra ajudaria a reduzir a pesada conta de juros paga para sustentar a dívida pública. Acelerar novos programas de concessões e estimular os negócios na construção civil também são ações que não compromete­m o esforço de ajuste fiscal e combate à inflação.

Em maio de 1940, a França estava tomada pelos alemães, e Hitler sufocava a Inglaterra. Sob pressão, Churchill foi à Câmara dos Comuns, em Londres, e fez o famoso discurso em que pediu voto de confiança e prometeu “sangue, trabalho, suor e lágrimas”, mas disse algo mais: “Vocês perguntam qual é o nosso objetivo? Posso responder com uma palavra, vitória”.

O objetivo de qualquer país emergente é o cresciment­o. Chega de discurso defensivo. Atitudes pró-cresciment­o ajudam a criar um clima favorável à retomada. O momento é propício para isso, porque em muitos setores a economia parou de piorar. E precisa apenas de um empurrãozi­nho para pegar no tranco.

A mensagem que fica hoje é: ‘Vamos resolver a questão fiscal e depois pensaremos no combate ao desemprego’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil