Folha de S.Paulo

Nunca mais voltou

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RIO DE JANEIRO - Preciso ir a São Paulo ver a exposição “David Zingg no Notícias Populares”, organizada por Leão Serva no MIS. Compõe-se de material produzido por David nos três meses de 1986 em que fotografou para um jornal com o qual não parecia ter nada a ver. Afinal, o que faria um americano, amigo dos Kennedy e veterano de revistas como “Look”, “Esquire” e “Vogue”, num universo de “presuntos” da periferia paulistana?

Mas assim era David. Quando ficamos amigos, no Rio, em 1968, ele era o fotógrafo de Ipanema, de Leila Diniz, do Cinema Novo. Fora para ele que Tom Jobim dissera “O Brasil não é para principian­tes”, e ninguém então mais principian­te em Brasil do que David, recém-chegado de Nova York. Mas aprendeu tão depressa sobre o nosso caráter, ou falta de, que se tornou um de nós.

Mudou-se para São Paulo em fins dos anos 70 e sonhou abrir um restaurant­e nos Jardins, chamado Uni- ted Steaks of America. Dez anos depois, pensou em comprar um apêzinho de 10 m² em Pigalle, em pleno “bas fond” de Paris, para passar três meses por ano. Mas eram só planos. Trabalhar num jornal de crimes podia ter sido um deles — por sorte, realizou-se.

David foi tão ótimo repórter fotográfic­o quanto autor de “portraits”, e sua obra merece um ou mais livros. Mas sempre achei que ele via a fotografia mais como um hobby. Sua principal ocupação era circular, fazer amigos e descobrir novidades. Em 1988, falou-me que, um dia, a fotografia dispensari­a filme, química e laboratóri­o. Não acreditei. Anos depois, quando isso se realizou, veio me cobrar: “Não te contei?”.

Seu neto Andrew, que não o conheceu, está trabalhand­o na sua biografia. Vamos finalmente entender por que, em 1964, em Montclair, New Jersey, David saiu para comprar cigarros, largou tudo para trás — família, casa, carro — e nunca mais voltou. CLAUDIA COSTIN

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