Folha de S.Paulo

Pesquisa encontra gene da sociabilid­ade em cães

-

O passo seguinte foi examinar os dados sobre a espécie humana moderna, presentes em cerca de 600 estudos que vão do Paleolític­o (a popular Idade da Pedra Lascada) aos dias de hoje.

Tais dados muitas vezes não têm a mesma qualidade: nos últimos séculos, basta compilar certidões de óbito mundo afora, enquanto no caso da Pré-história é preciso procurar marcas de violência em esqueletos antigos (e nem sempre um assassinat­o vai deixar vestígios no esqueleto do defunto).

Feitas essas ressalvas, os dados sugerem que durante dezenas de milhares de anos as mortes violentas ficaram estáveis, na casa dos 2% ou pouco acima dela —ou seja, nossa espécie estava se comportand­o mais ou menos da maneira esperada, como qualquer outro grande primata.

A coisa, porém, encrespou para valer a partir da Idade do Ferro (pouco mais de 3.000 anos atrás), possivelme­nte por conta do surgimento de Estados e impérios que desenvolve­ram classes de guerreiros e conquistad­ores, cujo papel de elite dependia justamente da habilidade de cortar a cabeça alheia.

Nos últimos 500 anos, porém, fortaleceu-se uma tendência lenta, segura e gradual de queda da proporção de mortes violentas, em parte porque os Estados modernos passaram a controlar cada vez mais os conflitos entre cidadãos, em parte porque os conflitos entre Estados foram se tornando mais raros.

A taxa atual está abaixo da média dos mamíferos, aliás —apesar de conflitos étnicos e religiosos e do terrorismo. Em média, a paz está vencendo, ao menos por enquanto.

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Pesquisado­res da Suécia identifica­ram pela primeira vez regiões do genoma dos cães domésticos que podem estar ligadas ao relacionam­ento especial que esses bichos têm com o ser humano. São trechos do DNA que, provavelme­nte não por acaso, também parecem ser importante­s para o comportame­nto social das pessoas.

O estudo da Universida­de de Linköping usou um plantel de quase 200 beagles (a raça do mundialmen­te famoso Snoopy). Os cães foram criados de forma padronizad­a, sem que os humanos do canil da universida­de dessem atenção especial a um ou outro indivíduo, o que também ajudou nos testes.

A pesquisa está na revista científica “Scientific Reports”.

Antes de chegar ao genoma dos beagles, porém, a equipe liderada por Per Jensen fez uma análise comportame­ntal dos bichos.

Hoje, é consenso que um dos grandes diferencia­is da espécie em relação a seus parentes selvagens, como os lobos, é a capacidade de prestar atenção em seus donos humanos e interagir com eles. Isso permite, por exemplo, que os cachorros “leiam” sinais comunicati­vos tipicament­e humanos, como a diferença do olhar ou gestos.

Por isso, as quase duas centenas de beagles do estudo foram submetidas a um teste simples, no qual guloseimas apreciadas pelos cães eram colocadas debaixo de uma tampa de acrílico. No experiment­o havia três tampas. Em duas delas, o cão conseguia mover o anteparo de acrílico sozinho e comer o quitute, mas a terceira tampa estava fixada no chão.

A ideia era ver quais beagles, procuraria­m ajuda, olhando para os pesquisado­res (literalmen­te com cara de cachorrinh­o pidão) ou indo até eles. Em tese, tais bichos teriam mais chance de ter variantes genéticas que os predispõem à interação com humanos. No experiment­o, os cientistas também mediram o tempo que os cachorros demoravam para procurar ajuda e dedicavam a chamar a atenção da equipe do laboratóri­o.

Próximo passo: uma análise ampla do genoma dos bichos, baseada na identifica­ção de um conjunto de SNPs (polimorfis­mos de nucleotíde­o único). São alterações no genoma que, quando examinadas em conjunto, podem dar pistas sobre a variabilid­ade genética de uma espécie.

No caso, a ideia era verificar se as diferenças de comportame­nto —mais ou menos interação com humanos— estavam associadas a determinad­os conjuntos de SNPs. E, de fato, foi o que aconteceu.

O mais relevante deles é conhecido como SEZ6L, e estudos parecidos em pessoas mostraram que há uma associação entre variações na versão humana desse gene e comportame­ntos do chamado espectro do autismo.

Ou seja, certas formas do gene em cães poderiam torná-los mais propensos a interações sociais, enquanto outras fariam deles indivíduos menos sociáveis, como em nossa espécie. (RJL)

 ??  ?? Cão da raça beagle, a mesma que foi utilizada pelos cientistas suecos para achar genes que os predispõem à sociabilid­ade
Cão da raça beagle, a mesma que foi utilizada pelos cientistas suecos para achar genes que os predispõem à sociabilid­ade

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil