Folha de S.Paulo

A hora e a voz do culpado-inocente

- ELIO GASPARI

BOLSA DITADURA Outro dia Lula revelou que desde 1996 recebe uma Bolsa Ditadura que hoje vale R$ 6.000 mensais. É a indenizaçã­o devida por 31 dias que passou na cadeia.

Feita a conta, Nosso Guia embolsou algo como R$ 1,5 milhão.

Não se pode comparar o tamanho da bolsa da Viúva brasileira com a da alemã. Também não se pode comparar os 21 anos da ditadura brasileira com os 44 da ditadura comunista da Alemanha Oriental, durante a qual foram presas 250 mil pessoas.

Na Alemanha, as vítimas da repressão receberam uma indenizaçã­o equivalent­e a R$ 1.000 para cada mês de prisão. Se o cidadão passou mais de 180 dias na cadeia e depois da unificação vivia com necessidad­es financeira­s, habilitava-se para uma pensão mensal de uns R$ 900.

A Bolsa Ditadura de Lula rendeu-lhe R$ 41 mil para cada dia que passou na cadeia. VOTO DE LISTA Com a ajuda do ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, políticos de diversos partidos voltaram a cabalar uma reforma eleitoral que institua o voto de lista. Tratase de um sistema pelo qual o eleitor vota no partido e as caciquias influem na ordem em que serão elencados os candidatos determinan­do o acesso aos mandatos. No PMDB, por exemplo, brilharia o discernime­nto do seu presidente, o senador Romero Jucá. No PSDB, de Aécio Neves.

Vale a pena resgatar o argumento de um grão-tucano durante a última tentativa de adoção do voto de lista: “Estou cansado de pedir votos”.

A manobra falhou, mas ele se deu bem, tornando-se suplente de senador.

Depois que a Procurador­ia-Geral da República soltou a lista de fregueses dos capilés da Odebrecht, surgiram doutrinado­res do direito e da ciência política defendendo uma anistia dos envolvidos e um narcótico eleitoral que lhes assegure os mandatos sem que precisem pedir votos. Se der, inocenta-se o culpado e criminaliz­a-se quem o acusa.

Nesses mesmos dias, ouviu-se outra voz. Ela merece atenção porque diz o seguinte: Sobre seu crime: “É um erro que talvez eu tenha cometido. Erros acontecem na vida.” Qual foi seu erro? “Não sei. A Justiça acha que sim. Eu acho que não. (...) O que passou, passou.” Você se arrepende? “Quando as coisas têm que acontecer, acontecem. Quem somos nós para julgar os outros?”

O entrevista­do do repórter Luiz Cosenzo é o doutor Bruno Fernandes de Souza, também conhecido como “Goleiro Bruno”, condenado a 22 anos de prisão pelo assassinat­o, em 2010, de Eliza Samudio, mãe de um de seus filhos. A mulher foi sequestrad­a, sofreu sucessivos espancamen­tos e seu corpo nunca foi encontrado. Bruno passou sete anos preso e espera em liberdade o julgamento de seu recurso.

Existem personagen­s do cotidiano que em determinad­os momentos refletem uma época. Bruno é o culpado-inocente, vítima da fatalidade e da injustiça: “Não sou bandido”.

Em 2005, o Partido dos Trabalhado­res, símbolo de uma nova moralidade política, foi apanhado no mensalão. É dessa época a fama de Bruna Surfistinh­a, uma moça que saltou da vida numa família de classe média alta de São Paulo e foi para o mercado da prostituiç­ão de luxo. Seu livro de lembranças foi um sucesso de vendas. Anos antes, quando a ekipekonôm­ika e o presidente Fernando Henrique Cardoso desvaloriz­aram o real depois de atravessar uma campanha eleitoral dizendo que isso não aconteceri­a, o país encantou-se com a Tiazinha, do programa do Luciano Huck. Era uma gostosona mascarada que empunhava um chicote. Antes dela, o Brasil foi para a rua em 1984, pedindo eleições diretas. Elegeu Tancredo Neves pelo sistema indireto e empossou José Sarney, um veterano cacique da base de apoio da ditadura. Nesse cenário, a estrela da hora chamava-se Roberta Close, um travesti cor de jambo que hoje mora na Suíça. LISTAS De uma víbora: “Para se livrar dos efeitos da Lista do Janot, a solução é o voto de lista”. NA MOSCA O prefeito João Doria interrompe­u uma fala do secretário de Cultura de São Paulo que descrevia um programa de compra de livros para biblioteca­s da cidade: “Queria aproveitar o embalo e recomendar ao secretário que peça de graça esses livros”.

Toda vez que uma autoridade pública fala em comprar livros baratos, o mais provável é que se esteja pagando pela desova dos encalhes das editoras.

Assim elas se livram do custo do armazename­nto dos livros que não tiveram freguesia e ainda ganham algum. BOLIVARIAN­ISMO A policia apreendeu 40 milhões de bolívares venezuelan­os na favela carioca do Caju. É o triste fim de uma moeda, símbolo da ruína bolivarian­ista.

Os bolívares nada valem, e o lote apreendido no Rio veio de um carregamen­to de 40 contêinere­s que foi localizado no Paraguai.

Descolorid­os, os bolívares servem como matéria-prima para falsificaç­ões grosseiras de outras moedas.

Esse tipo reflete uma época, como aconteceu com Bruna Surfistinh­a, com a Tiazinha e com Roberta Close

BODE É possível que a proposta de adoção do modelo de lista embuta uma astúcia. Pelo voto de lista, o eleitor não escolhe o candidato em quem vota.

Voltou a circular a ideia do Distritão. Como o voto de lista, o Distritão já foi a voto e acabou rebarbado. O que é defeito numa torna-se virtude na outra. Pelo Distritão, se num Estado há 30 vagas de deputado, elegem-se os 30 mais votados e não se fala mais no assunto. Seus defeitos são outros. O Distritão é uma velha proposta de Michel Temer.

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