Folha de S.Paulo

Irmão de Luz, mandou queimar os livros. Restaram poucas cópias.

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NATURISMO No segundo romance, “A Verdade Nua”, de 1949, sua defesa do naturismo aparece com nitidez. Para Luz, os pais deveriam afastar os filhos do “pudor, a mais ignóbil das virtudes”.

Naquele mesmo ano, ela lançou o Partido Naturalist­a Brasileiro (PNB), que teria a defesa do divórcio, da mulher e do naturismo como principais bandeiras. Luz pretendia se candidatar a deputada federal, mas a legenda não obteve registro.

A vedete não se deu por vencida. Meses depois, seu interesse crescente pelo naturismo a levou até o ministro da Marinha, Renato Guilhobel, para pedir a concessão de uma ilha a fim de criar um clube de nudismo.

(As entrevista­s da dançarina reverberav­am entre os cariocas, o que lhe garantia certa influência. Além disso, colecionav­a casos amorosos com políticos. Clemente Mariani, ministro da Educação do governo de Eurico Gaspar Dutra, foi um dos amantes de Luz del Fuego, que jamais se casou.)

Pois a vedete foi tão enfática que o ministro da Marinha lhe permitiu ocupar a pequena ilha Tapuama de Dentro, a 15 minutos de barco da ilha de Paquetá, na baía de Guanabara. Ela passou a morar no local —só ia ao Rio para apresentaç­ões esporádica­s. Rebatizado por Luz como Ilha do Sol, o perímetro sediou o primeiro clube naturista da América Latina.

A colônia viveu seu apogeu na segunda metade da década de 1950. Além de reunir mais de 200 sócios, tornou-se uma atração para quem não se satisfazia com o roteiro turístico carioca tradiciona­l. O ator norte-americano Steve McQueen (1930-80), de “Sete Homens e Um Destino” (1960), foi um dos curiosos que passaram pela ilha.

Luiz Carlos Issa, hoje com 80 anos e morador de Paquetá, lembra-se de um concorrido baile de Carnaval na colônia, embalado por músicos que vestiam apenas gravatas-borboletas. Eventos como esse, além das exibições eventuais no Rio, visavam a manutenção do clube. Mas os esforços foram insuficien­tes, o que obrigou Luz a fechá-lo no início dos anos 60. Ela passou a viver na ilha apenas com o caseiro Edgar.

Com a redução do movimento, o local se tornou mais vulnerável. A vedete chegou a ameaçar com uma arma os irmãos pescadores Alfredo e Mozart Teixeira Dias porque desconfiav­a que estivessem usando a ilha pra esconder material de contraband­o. Motivados pelo desejo de vingança e convictos de que Luz guardava muito dinheiro na ilha, como registrou a revista “O Cruzeiro”, eles mataram a vedete a golpes de remo.

Era a tarde de 19 de julho de 1967, há meio século.

Oito anos depois, Rita Lee deu o nome de “Luz del Fuego” a uma das faixas do disco “Fruto Proibido”. “Eu hoje represento o segredo/ Enrolado no papel/ Como Luz del Fuego/ Não tinha medo/ Ela também foi pro céu, cedo!”, diz a letra.

Em 1982, entrou em cartaz o filme que também levava no título o nome da vedete, com Lucélia Santos no papel principal. 50 ANOS DEPOIS Hoje, na Ilha do Sol, resta pouco além de escombros das construçõe­s de alvenaria de seis décadas atrás. A vegetação é escassa, já que pelo menos dois terços da ilha são formados por pedras. Plantas mais resistente­s, como cactos, crescem nas fendas entre as rochas.

No dia em que a reportagem esteve lá, os únicos moradores eram urubus e lagartos. Nas paredes que resistem ao tempo e ao vandalismo, há inscrições de cunho feminista, em tinta vermelha. Uma delas diz “seu corpo, suas regras”. Não são resquícios dos tempos do clube nudista, e sim uma marca recente, de autoria desconheci­da.

“Luz del Fuego disse que ainda seria conhecida 50 anos depois de morrer. É, de fato, o que acontece”, afirma Lola Aronovich, professora de literatura da Universida­de Federal do Ceará (UFC) e blogueira feminista.

Para ela, a vedete pode ser considerad­a uma precursora do feminismo brasileiro, ao lado de nomes como Pagu (1910-62) e Leila Diniz (1945-72).

A Ilha do Sol está abandonada. A memória de Luz del Fuego, não.

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