Folha de S.Paulo

Ilusões togadas

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SÃO PAULO - Mudanças abruptas nas regras organizado­ras do jogo social, econômico e político raramente ocorrem nas nações modernas, o que tem um aspecto positivo na democracia. A evidência histórica relaciona os programas demiúrgico­s à violência, à restrição das liberdades e ao empobrecim­ento.

Seria, portanto, ao mesmo tempo ingênuo e perigoso acreditar em teorias difundidas no Brasil, como a de que o espírito por ofício inquisidor de operadores da Lava Jato, associado a reformas radicais nas regras eleitorais, poderia purificar a política.

Como se houvesse uma geração de jovens impolutos pronta a substituir a velha guarda oferecida em holocausto em nome do combate à corrupção. Como se o conjunto de estímulos eleitorais às boas práticas na política fosse derivado de ciência incontrove­rsa, descolada do contexto.

Procurador­es e juízes, no âmbito de investigaç­ões como a Lava Jato, exercem notável impulso para a melhoria do ambiente eleitoral. Seu trabalho tem ajudado a elevar o custo de delinquir na política, avaliado pela probabilid­ade de punição.

Quando, porém, aderem ao lobby político, desbordand­o de sua missão especializ­ada de investigar e julgar, esses agentes do direito logo começam a vender ilusões. Sua visão de mundo, treinada na dualidade mecânica do litígio judicial, traduz-se em má teoria do Estado. Abunda o maniqueísm­o nas imagens de batalhas definitiva­s entre o certo e o errado.

A política numa democracia complexa como a brasileira caminha em marcha lenta, com concessões marginais a este ou àquele interesse. Como a nação aspira à eternidade, um pedaço do que foi perdido hoje sempre poderá ser reposto. Vitórias e derrotas são tipicament­e parciais.

O que importa para o sucesso ou o fracasso do país são o sinal e o ângulo dessa trajetória na sucessão das décadas. Nenhum indivíduo ou grupo singular detém grande poder de influencia­r a aventura coletiva. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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