Folha de S.Paulo

Mudar lei não basta, diz chefe do Coaf

Para Antonio Gustavo Rodrigues, alterações de procedimen­tos não garantem que desvios não se repetirão

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Dirigente afirma que a saída para impedir novos escândalos é mostrar que há punição rápida para os crimes

Para o presidente do Coaf, a unidade de inteligênc­ia do Ministério da Fazenda que detecta operações irregulare­s no sistema financeiro, criar “amarras” burocrátic­as para enfrentar as descoberta­s da Lava Jato não impedirá um novo escândalo no futuro. A saída, segundo Antonio Gustavo Rodrigues, é afastar a sensação de impunidade.

Segundo ele, mudanças de procedimen­tos administra­tivos na Petrobras para a contrataçã­o de obras civis ou na atuação de lobistas no Congresso, por exemplo, podem ser feitas, mas não são garantia de que desvios de dinheiro público não se repetirão.

Rodrigues diz ainda que houve falhas em algumas instituiçõ­es financeira­s nas relações com seus clientes, mas não erros estruturai­s.

Para ele, deve haver uma reação rápida para mostrar que há punição para os crimes, tarefa que reconhece ser difícil no Brasil. “[Punir], na nossa cultura, é difícil. Veja uma coisa óbvia, que é andar acima da velocidade. Você põe um ‘pardal’, um mecanismo objetivo, as pessoas reclamam: ‘Ah não, tem que botar uma placa antes’. O brasileiro tem um problema para punir. Você vê o cara errado e ele discute como se tivesse razão”, diz.

Segundo Rodrigues, não adianta reforçar policiamen­to se a população não fizer o seu papel. “Aqui no Brasil, um caminhão cai, a população vai lá e rouba a carga”, afirma. “O padrão moral é importante. Você se comporta bem porque tem polícia ou porque você acredita que deve se comportar bem?”

A lógica, na avaliação dele, é semelhante para os crimes financeiro­s cometidos por empresário­s: “Como eu impeço uma empresa [de cometer crime]? É impossível. O cara tem dinheiro, é rico, faz negócios, aí quer montar uma empresa no exterior. Claro, ele faz. Agora, se ele faz mau uso disso, tem que torcer para a polícia pegar. Mas não como impedir de fazer.”

Rodrigues diz que o mesmo princípio pode valer na regulação das remessas de dólares por meio de contratos

ANTONIO GUSTAVO RODRIGUES

Presidente do Coaf de câmbio, hoje liberadas.

Desde o início das investigaç­ões no Paraná, o Coaf produziu 681 relatórios sobre irregulari­dades que abastecera­m a Lava Jato. Até 2014, personagen­s do escândalo movimentar­am livremente milhões de reais sem que os crimes fossem detectados.

Rodrigues defende que a prevenção à lavagem de dinheiro deu uma resposta

“Eu digo que o sistema funcionou, eles foram pegos. Não dá para acabar com o problema, tem que acabar com o bandido. E ter um sistema que detecte essas situações. E o sistema detectou. Essas pessoas foram identifica­das e estão presas ou estão sendo presas”, afirma.

De acordo com ele, criar novas exigências burocrátic­as não resolve o problema. “Eu pessoalmen­te acho que você acaba fazendo a sociedade toda pagar por um controle que não controla. É um controle com o qual você não vai acabar com o problema e que só vai atrapalhar a vida das pessoas de bem.”

Para Rodrigues, alguns bancos “aparenteme­nte não fizeram a devida diligência” em relação aos seus clientes.

“O banco tem que olhar quem é esse cliente. Ele tem negócios no exterior, isso se justifica? A base toda do sistema é essa, ‘conheça o seu cliente’. De repente esse cara sai exportando luva de plástico ou qualquer outra coisa? O banco tem que conhecer.”

E ressalta: “Tem falha, tem. Comeram mosca, comeram. Se isso é estrutural, não.” (RUBENS VALENTE)

“impeço uma empresa [de cometer crime]? É impossível. O cara tem dinheiro, é rico, faz negócios, aí quer montar uma empresa no exterior. Claro, ele faz. Agora, se ele faz mau uso disso, tem que torcer para a polícia pegar. Mas não tem como impedir de fazer

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