Folha de S.Paulo

O jovem e o tédio

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

FAZ ALGUM tempo que tenho conversado com jovens para tentar entender por que é tão grande o número dos que se sentem desencanta­dos com a vida, sem ânimo e, acima de tudo, entediados e vazios.

Um dos motivos que percebi nas conversas foi o fato de a escola e os estudos parecem ser o único objetivo, na visão dos pais e de outros adultos, da vida dos adolescent­es. E mais: a meta é uma boa classifica­ção em exames e vestibular­es.

A vida, para esses jovens, tornouse monotemáti­ca. O tempo todo os pais recomendam que estudem, cada um de seus professore­s fala diariament­e dos exames que farão etc.

Outro fator que promove a maior pressão neles é a escolha do curso universitá­rio. Eles ouviram que é muito cedo para escolher algo que farão para o resto de suas vidas, e se convencera­m disso. Não é cedo e nem precisarão repetir as mesmas coisas sempre: toda profissão tem grande potencial de diversific­ação no mundo atual. Mas, nessa busca e com essas premissas, essa escolha torna-se quase impossível para eles: como encontrar uma profissão que os deixe apaixonado­s —agora é moda dizer que é preciso ter paixão pelo trabalho—, que o mercado valorize e que ofereça excelentes salários?

Os diálogos com os adultos também são pouco estimulant­es para eles, que não se sentem levados a sério por seus interlocut­ores principais, pais e professore­s. Quase todos disseram ouvir “sermão” deles quase todos os dias, e estão tão cansados do mesmo blá-blá-blá de sempre, que nem ouvem mais. Os argumentos que eles têm quando discutem a vida em sociedade, a política, a ética, a religião etc. são, em geral, considerad­os bobagens pelos pais.

Acontece que o adolescent­e precisa de diálogos com adultos para que consiga se entender melhor —mesmo quando diz bobagens— e para construir seus próprios valores. Vamos lembrar que a adolescênc­ia é o período em que os mais novos se preparam para se tornar seus próprios pais. Sem diálogos e exemplos por parte dos adultos, isso é missão impossível.

Claro que os jovens buscam alternativ­as para sair desse tédio, e eles encontram, principalm­ente em alguns caminhos bem arriscados.

Muitos se entregam às redes sociais e aos jogos: usam a cada dez minutos e ficam tão absorvidos que se esquecem do tédio que, claro, retorna assim que eles escapam de suas malhas.

Outros, escolhem ir à baladas e ingerir drogas —lícitas e/ou ilícitas— para encontrar euforia, se desinibir, essas coisas. E sexo, é claro.

E há também os que decidem desafiar a morte. Creio que quase todo mundo já ouviu falar do “jogo da asfixia”, ou do sufocament­o. Pode ser —e já foi— fatal.

E agora há uma nova modalidade de aventura radical praticada em outros países, que não sei se já chegou ao Brasil. Mas chegará, já que a internet conecta esses adolescent­es em busca de adrenalina, como eles dizem. Nessa prática, chamada “extreme building climber”, os adolescent­es escalam as mais altas construçõe­s da cidade para caminhar e se pendurar nos locais mais perigosos delas. Pode ser —e já foi— fatal.

Será que não podemos desafiálos para que se desenvolva­m, amadureçam e, acima de tudo, amem a vida? Podemos, sim!

Basta começar a ouvi-los, colaborar para que se entendam e que coloquem em ato seu potencial criativo para beneficiar o coletivo, e não apenas a si mesmos.

Contra o vazio que sentem por serem pressionad­os ou ignorados, adolescent­es buscam saídas arriscadas

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