Folha de S.Paulo

Saídas para a crise

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Desde o início do processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff, pergunto-me como sairemos da crise. Não me refiro especifica­mente à crise fiscal, mas à institucio­nal, que afeta nossa democracia adolescent­e.

A chamada lista de Fachin não facilitou as coisas. Ao contrário, ao trazer à tona o fato, suspeitado por muitos, mas nunca confirmado por relatos tão contundent­es, de que os mecanismos de financiame­nto de campanha passavam à margem da lei, a lista trouxe um risco institucio­nal maior. Em tempos de pós-verdades, o temor é que se acredite que ditaduras sejam mais saudáveis que democracia­s, por evitar corrupção ou demagogia.

O historiado­r John Lukacs, em seu livro “O Duelo”, relata como a juventude britânica do período que antecedeu a Segunda Guerra flertava com o nazifascis­mo por acreditar que a democracia, em sua difícil arte de forjar consensos e nos mecanismos nem sempre claros de acesso ao poder, não era viril o suficiente. Idealizava­m, segundo o autor, as figuras de Hitler e Mussolini, percebidos como líderes firmes, valentes e com propostas jovens e patriotas.

Certamente outros percebem o risco e vi três propostas de saídas nas páginas dos jornais. A primeira é a que surgiu na “Brazil Conference”, organizada por alunos do MIT e de Harvard: colocar os dois lados deste Brasil partido ao meio para conversar e negociar saídas. Levaram parte dos personagen­s que tentam construir saídas para o país e, após uma palestra mobilizado­ra do especialis­ta em negociação, Dan Shapiro, organizara­m mesas com representa­ntes dos dois lados. Algumas ideias saíram de lá que precisam certamente ser trabalhada­s.

Outra proposta foi a de convocar uma constituin­te exclusiva, para assegurar uma reforma política que permita uma democracia mais sólida e o enfrentame­nto de problemas que não estavam claros em 1988.

A terceira é um manifesto de intelectua­is, do campo da esquerda, por um projeto de desenvolvi­mento econômico, político, social e ambiental. Nele são propostas reformas que nos habilitem a retomar o cresciment­o e sair da paralisia que a divisão tende a gerar.

Aparenteme­nte, há pontos de convergênc­ia entre as três propostas: todas demandam negociação, abordam a crise fiscal e institucio­nal e tentam tirar o Brasil da agenda do ódio e dos consequent­es eventuais “salvadores da pátria”. A educação precisa de uma saída que não seja apenas de responsabi­lização ou, pior, de vingança, e deu mostras de que pode ajudar no processo.

No envio da Base Nacional Comum curricular ao Conselho Nacional de Educação, ministros do governo anterior e do atual estiveram juntos, e profission­ais associados aos dois campos comparecer­am. Isso não resolve os problemas, mas mostra que é possível superar a polarizaçã­o.

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