Folha de S.Paulo

Múmia dos bancos pisca e cobra caro

- VINICIUS TORRES FREIRE

O CRÉDITO nos bancos começa a voltar à vida, tal como se começassem a pingar umas gotas d’água de uma múmia congelada. Na média, porém, a temperatur­a continua abaixo de zero.

“Melhor que nada”, talvez se possa dizer. Mas é perto de nada, um descongela­mento que por enquanto é apenas compatível com a média das previsões de mínima recuperaçã­o da economia neste ano: cresciment­o de 0,5% do PIB, por aí.

A não ser que consumidor­es e empresas reajam de modo inesperada­mente exagerado à baixa lerda das taxas de juros, não teremos PIB muito melhor que esse aí, talvez 1%, na previsão dos animados economista­s do Itaú. Por quê?

O investimen­to do governo vai cair. Não deve vir surpresa significat­iva da massa de salários. Os preços das nossas exportaçõe­s já deram um saltinho, não devem melhorar muito mais, se tanto.

Logo, precisamos de algum descongela­mento de crédito. Quanto a isso, o que dizem as estatístic­as de março, publicadas nesta quarta-feira (26) pelo Banco Central?

Começando do alarmante, antes de tratar do apenas deprimente: as taxas de juros mais importante­s caem a um ritmo inferior ao do custo do dinheiro na praça e a um ritmo inferior ao da Selic (os “juros do BC”).

Desde outubro do ano passado, a Selic baixou de 14,25% para 11,25%. Três pontos percentuai­s, um talho proporcion­al consideráv­el. Na praça do mercado, a taxa de juros real (ex-ante) caiu de 7,2% para 4,6%.

A taxa de uma das linhas de crédito mais importante­s para as empresas (em volume), a de capital de giro, caiu de 25,1% para 22,3%, de novembro de 2017 para março. Mal acompanha o ritmo da Selic. Na média, a taxa para pessoas jurídicas baixou apenas de 21% para 20,1%.

Sim, a inadimplên­cia das empresas voltou a piorar, mas não parece estar aí o motivo do crédito ainda tão caro.

A diferença entre o custo de captação do dinheiro pelos bancos e a taxa cobrada dos clientes, o spread médio, aumentou nesses meses em que o BC talhou a Selic. AUMENTOU.

A parcela da renda das famílias dedicada ao pagamento de dívidas (serviço da dívida) continua a baixar. Era de 22,6% em março de 2016, estava em 21,2%, em fevereiro. Cai muito devagar, pois o peso dos juros dificulta a quitação de débitos. Enfim, falta muito para o endividame­nto chegar a uns 19%, nível de 2010, antes da fase final da grande farra de crédito.

O total de dinheiro emprestado, o estoque de crédito, continua a cair, embora sempre em velocidade cada vez menor, mas ainda quase depressiva: redução de 7% de março deste ano ante o mesmo mês de 2016.

Sim, o estoque de crédito está contaminad­o por resultados de meses passados, ainda piores. No caso das concessões, dinheiro novo emprestado, a situação começou a despiorar de modo algo menos lerdo.

No acumulado do trimestre, as concessões de crédito para pessoas físicas voltaram ao azul pela primeira vez desde dezembro de 2014 (na comparação anual).

No caso das pessoas jurídicas, o dinheiro novo continua a diminuir, embora tenha passado de uma baixa depressiva para uma baixa recessiva, digamos, de forma sarcástica. Houve salto importante na despiora das concessões de crédito.

Mas, em suma, não há surpresa animadora. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Aparecem ligeiros sinais de melhora no crédito, mas juros nos bancos caem menos que no BC

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