Folha de S.Paulo

PACIENTE DO SUS

- DANIELA PINTÃO

FOLHA

Ao receber o diagnóstic­o de câncer em estágio avançado com expectativ­a de vida máxima de dois anos, Elfriede Margarete Bleidorn Galera, 61, teve uma espécie de apagão. Não entendia a razão de ter passado tanto tempo desde que havia procurado ajuda, cerca de dois anos antes, ao notar algo de estranho em uma das mamas.

Frida, como é conhecida, descobriu em 2010 que tinha câncer de mama metastátic­o —o tumor havia atingido ossos, pulmão e fígado.

O diagnóstic­o tardio provavelme­nte foi fator decisivo para o avanço da doença. Sem plano de saúde, procurou um posto de saúde na capital paulista. Foi atendida, mas não conseguiu realizar a mamografia. Fez o exame na rede particular e levou o resultado ao mesmo posto de saúde e foi informada de que estava tudo bem.

Em 2009, com o mamilo descentral­izado e uma diferença maior entre as mamas, voltou ao posto. Novamente sem conseguir marcar a mamografia, fez novo exame na rede particular e, em novembro, procurou um posto de saúde em Cotia, na Grande São Paulo. O médico, diz ela, olhou o exame, mas não a examinou. Mas solicitou um ultrassom —marcado para setembro de 2010.

Convencida de que algo estava errado, não aguardou a realização do procedimen­to e foi ao hospital estadual Pérola Byington, centro de referência da saúde da mulher em São Paulo.

O hospital tem um modelo próprio de atendiment­o resolutivo onde, após passar pelo mastologis­ta, o paciente já faz em seguida os exames necessário­s —mamografia, ultrassono­grafia, biópsia.

Foi diagnostic­ada no mesmo dia da consulta, mais de dois anos após procurar assistênci­a médica pela primeira vez. Casada, com dois filhos adolescent­es e sem histórico familiar da doença, contou a todos no mesmo dia. Foi um baque, mas a família se uniu para apoiá-la.

Frida passou por quimiotera­pias e hormoniote­rapias. Perdeu o cabelo, testou lenços e perucas e decidiu não usar nada. Entre tratamento­s, fez mastectomi­a radical em uma das mamas.

Até que no final de 2015, diante de nova progressão da doença, teve de entrar com uma ação administra­tiva junto ao Estado para obter medicament­o não disponibil­izado pelo SUS para casos como o dela. Frida conseguiu a liberação da droga, mas teve que esperar cinco meses. “Foi a primeira vez que fiquei desesperad­a. Era minha única opção, a espera foi uma sensação horrível.”.

Com a experiênci­a, passou a integrar grupos para orientar mulheres na mesma situação a obter a medicação. BRIGA NA JUSTIÇA Em 2016, mais uma progressão da doença. Dessa vez já não havia mais recursos terapêutic­os dentro da rede pública, mas ela sabia da existência de um fármaco indicado para o seu caso.

Foi à Justiça contra o Estado. Mais uma vez teve que esperar meses até começar a receber a medicação, que vem usando desde então. “Cada minuto conta, mas é como se eu não fosse mais interessan­te para o sistema”, lamenta.

Há sete anos em tratamento, tem uma rotina hospitalar intensa, mas não reclama. “É muita luta, mas o hospital é meu pote de vida”, diz ela em referência a uma partida de videogame. “Cada vez que venho aqui, pego uma vida nova pra continuar o jogo.”

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