Folha de S.Paulo

A distribuiç­ão das maldades

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

COMO QUE para atenuar a impopulari­dade crescente derivada das reformas e dos escândalos de corrupção envolvendo ministros e parlamenta­res da base, plantou-se a notícia de que membros do governo estariam estudando a adoção de um “pacote de bondades” na área tributária. O ministro Henrique Meirelles negou a informação: bondades não gostam de passear na Fazenda.

Segundo o “Valor Econômico”, as discussões entre Michel Temer e alguns parlamenta­res preocupado­s em acenar para as classes mais populares teriam girado em torno de um aumento da faixa de isenção de IRPF (Imposto de Renda da Pessoal Física) dos atuais R$ 1.903 para R$ 4.000 e, para compensar os custos gerados, da volta da tributação de dividendos no país.

Em um contexto de cortes substancia­is no Orçamento em áreas prioritári­as, dobrar a faixa de isenção de IRPF e manter elevada a tributação sobre o consumo —que pesa mais sobre quem ganha menos— não ataca o coração das injustiças do nosso sistema tributário.

Mas a tributação dos dividendos, que complement­aria a medida, seria bem vinda tanto do ponto de vista arrecadató­rio quanto da redução das desigualda­des.

Segundo os dados de 2015 da Receita Federal divulgados recentemen­te, os brasileiro­s com renda média mensal de R$ 135 mil —que representa­m 0,1% dos declarante­s— pagaram alíquota efetiva de IRPF de apenas 9,1%. Ainda no topo da pirâmide, os 0,9% dos declarante­s com renda média mensal de R$ 34 mil pagaram 12,4% de alíquota efetiva. Os dados revelam aquilo que já sabíamos: a alíquota máxima de 27,5% não se aplica a boa parte dos rendimento­s dos mais ricos.

É verdade que o lucro das empresas já é tributado por meio do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido), mas a isenção de qualquer tributação adicional sobre os lucros distribuíd­os aos seus sócios e acionistas —e que, portanto, não são reinvestid­os nas empresas— só foi concedida no Brasil em 1995.

Do ponto de vista jurídico, não se tratava de bitributaç­ão: os sujeitos passivos do IRPJ/CSLL e do IRPF cobrado sobre os dividendos são diferentes: no primeiro caso, as pessoas jurídicas e, no segundo, as pessoas físicas. Do ponto de vista do estímulo para o investimen­to produtivo, certamente é preferível tributar menos os lucros na pessoa jurídica e mais os dividendos na pessoa física.

Os dividendos são tributados em todos os países da OCDE, excluindo a Estônia, com alíquota média de 24,1%. Embora as proporções entre tributação na pessoa jurídica e na pessoa física variem entre os diferentes países, o total da parcela dos lucros absorvida pelo Estado sob a forma de tributos é, em média, muito mais alta do que no Brasil.

As estimativa­s apresentad­as por Rodrigo Orair e Sergio Gobetti em estudo do IPEA de 2016 sugerem que uma tributação de dividendos nos moldes vigentes até 1995 — com alíquota linear de 15%— traria R$ 53 bilhões aos cofres públicos, aos preços do ano passado.

Se a tributação fosse feita com as alíquotas progressiv­as vigentes na atual tabela de IRPF, a receita adicional ultrapassa­ria os R$ 70 bilhões. E se, além disso, fosse cobrada uma alíquota maior de IRPF (35%) para rendas muito elevadas, a arrecadaçã­o aumentaria em pelo menos R$90 bilhões —mais da metade do deficit primário do governo federal no ano passado.

Que não há bondades à vista, nós já entendemos. Mas uma distribuiç­ão menos desigual das maldades já seria muito bem-vinda. LAURA CARVALHO,

Tributação de dividendos seria positiva para o cofre do governo e para a redução da desigualda­de no país

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