Folha de S.Paulo

Soma de erros

Protesto em Brasília acentua desgaste de Temer, mas os atos de vandalismo em nada contribuem para a bandeira virtuosa das eleições diretas

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Se o objetivo era produzir imagens de um país em convulsão, o protesto liderado por centrais sindicais e entidades de esquerda em Brasília, nesta quarta (24), obteve sucesso, ainda que talvez efêmero.

Correram o Brasil e o mundo, sem dúvida, as cenas de manifestan­tes ensanguent­ados, prédios em chamas e congressis­tas enfurecido­s. O quadro caótico completou-se com o renitente despreparo da Polícia Militar, que chegou ao emprego descabido de armas de fogo, e o constrange­dor recurso do governo às Forças Armadas.

Impacto visual à parte, convém não comprar pelo valor de face a leitura de que o episódio retrata o isolamento de um presidente, em meio a uma revolta popular —por mais visível que seja a debilidade de Michel Temer (PMDB).

Omissões e imprudênci­as de todas as partes convertera­m em baderna, e quase em tragédia, o que deveria ser um ato político.

Os organizado­res, como infelizmen­te de hábito, negligenci­aram a tarefa de assegurar o caráter pacífico do evento. A ação dos vândalos nada tinha de imprevisív­el; bandos de arruaceiro­s sem causa discerníve­l infiltram-se em protestos da esquerda —e a eles dão visibilida­de— desde 2013.

Desta vez, os “companheir­os mascarados”, assim chamados em um tardio apelo por calma feito pela senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), depredaram ou incendiara­m nada menos que dez prédios da Esplanada dos Ministério­s.

O contingent­e da PM revelouse incapaz de conter a turba, e a inépcia por pouco não custou vidas quando alguns de seus homens apelaram a armamento letal.

O Planalto, por fim, atrapalhou­se ao mandar tropas do Exército às ruas para proteger o patrimônio da União. Justificou-se a medida a partir de pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) —que, entretanto, havia solicitado o uso da Força Nacional de Segurança Pública.

Esta teria sido, de fato, a providênci­a correta, dispusesse o governo de efetivo suficiente. Policiar ruas não é a vocação das Forças Armadas, para nem mencionar a simbologia política infeliz de sua presença em ações repressiva­s.

Temer, é óbvio, não colhe um saldo positivo dos acontecime­ntos. A esta altura, qualquer instabilid­ade será associada de forma automática à agonia de seu governo.

Quanto aos manifestan­tes, é possível que tenham conseguido criar dificuldad­es adicionais para o avanço das reformas previdenci­ária e trabalhist­a, contra as quais se batem os sindicatos.

Em nada ajudaram, porém, a bandeira virtuosa da eleição direta, que por sua própria natureza não avançará à base de truculênci­a.

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