Folha de S.Paulo

Eu prendo e arrebento

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SÃO PAULO - Exceto pelo marketing pessoal —aquela vontade incontida de dizer “eu acabei com a cracolândi­a”—, não dá para encontrar um único ângulo sob o qual as ações do prefeito João Doria (PSDB) em relação aos usuários de crack no centro de São Paulo façam sentido.

Do ponto de vista do direito, parece absurda a ideia de buscar uma autorizaçã­o judicial prévia que autorize policiais ou servidores municipais a recolher à força qualquer pessoa que julguem ser um dependente de drogas e submetê-la a avaliação médica para eventual internação compulsóri­a. Uma medida dessa natureza atropela não só a lei como os mais elementare­s direitos e garantias individuai­s, além de evocar alguns dos piores momentos da humanidade no que diz respeito à utilização abusiva do poder do Estado.

Em termos médicos as atitudes da prefeitura não são menos inquietant­es. Os consensos psiquiátri­cos são unânimes em estabelece­r que o tratamento para abuso de drogas deve ser primordial­mente ambulatori­al. Internaçõe­s devem ser reservadas a casos excepciona­is e com a anuência do paciente. É só no curso de um surto psicótico ou diante de perigo iminente para si ou terceiros que o doente pode, após criteriosa avaliação médica, ser contido à força, e ainda assim apenas enquanto durar o estado de desconexão com a realidade.

Os métodos utilizados por Doria também são questionáv­eis. Há indícios de que ele já planejava a ação espalhafat­osa ao mesmo tempo em que ainda assegurava a parceiros no Projeto Redenção como Ministério Público, Defensoria e conselhos profission­ais que não haveria um “Dia D” —o que não deixa de dizer algo sobre a confiabili­dade do prefeito.

Mesmo se considerar­mos a investida dorista apenas do ponto de vista do marketing, houve erros de execução que limitam sua eficácia. Afinal, não pega bem ordenar a demolição de casas com gente dentro, mesmo que sejam só usuários de crack. helio@uol.com.br

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