Folha de S.Paulo

Para não prejudicar as investigaç­ões.

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Em ação criticada pelo Ministério Público Federal, policiais civis e militares do Pará retiraram os corpos de dez sem-terra mortos a tiros, na última quarta-feira (24), sem realização de perícia.

O massacre ocorreu por volta das 5h na fazenda Santa Lúcia, localizada na área rural de Pau D’Arco (867 km ao sul de Belém). A propriedad­e estava invadida por um número não definido de semterra, contrarian­do uma decisão judicial de despejo.

Segundo a versão oficial, 24 policiais civis e militares foram ao local cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra sem-terra acusados de matar um segurança da fazenda, em 30 de abril. No local, teriam sido recebidos a tiros e revidaram. Nenhum agente de segurança ficou ferido.

“O local onde ocorre uma barbárie dessas tem de ser preservado”, disse a procurador­a federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat. “Agora é impossível reconstitu­ir o que ocorreu ali.”

Nesta quinta-feira (25), Duprat visitou a fazenda acompanhad­a do Ministério Público Estadual e de policiais estaduais.

Em declaraçõe­s após uma caminhada de cerca de duas horas, ela disse que não encontrou nenhum sinal de violência no suposto local do massacre.

“Não, nenhum sinal de sangue, bala, cheiro, nada.”, afirmou. “Saímos de lá mui- to pouco convencido­s de que os fatos ocorreram na forma descrita pela polícia.”

No local, de difícil acesso e também visitado pela Folha, havia objetos revirados, como panelas, roupas, sacos plásticos, comida e lona. O acampament­o estava dentro de uma pequena mata cerca- da de pasto.

Também presente na visita, o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) José Batista Afonso comparou o procedimen­to policial no local ao do massacre de Eldorado do Carajás, de 1996, quando a PM matou 19 semterra ligados ao MST. “Nos dois casos, o local do crime não foi preservado.”

Afonso disse que encontrou indícios de chacina nos corpos, como tiros na altura do peito, e afirmou que solicitará a participaç­ão da Polícia Federal nas investigaç­ões.

Também presente na visita, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo disse que a “destruição da cena do crime foi uma ilegalidad­e flagrante”.

“A maioria dos crimes insolúveis ocorre quando a polícia mexe na cena do crime e não permite que haja coleta de provas”, afirmou, ao ressaltar que havia pelo menos um delegado e um oficial da PM na operação de quarta.

Questionad­a pela Folha sobre o procedimen­to adotado, a Secretaria da Segurança Pública do Pará se limitou a dizer, por meio de nota, que “aguardará o andamento e o resultado das investigaç­ões”.

Por falta de estrutura na região da chacina, os corpos foram levados para perícia para Marabá e Parauapeba­s. Ainda não há previsão para o enterro.

Em entrevista coletiva em Belém, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que pedirá o afastament­o dos policiais envolvidos na chacina, SEM-TERRA Sem filiação a nenhuma organizaçã­o, os dez mortos faziam parte de um grupo maior de sem-terra que estava no local. Após a ordem de reintegraç­ão de posse, a maioria decidiu abandonar a área.

Depois do assassinat­o do segurança, a Federação Estadual dos Trabalhado­res e Trabalhado­ras na Agricultur­a Familiar do Pará (Fetraf), ligada à CUT, rompeu com o grupo, afirmando que não houve cumpriment­o das orientaçõe­s repassadas.

“Não queremos pactuar e tampouco participar de outros episódios que por ventura possam vir a acontecer”, dizia a nota, datada de 4 de maio. Regivaldo Pereira da Silva Jane Julia de Oliveira

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Avener Prado/Folhapress Perito trabalha na fazenda Santa Lúcia, no interior do Pará, onde ocorreram as mortes na última quarta-feira (24)

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