Folha de S.Paulo

Ao lado do Verissimo

- JAIRO MARQUES COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

FAZ EXATAMENTE um ano que meu primeiro livro, o “Malacabado – A História de um Jornalista sobre Rodas”, foi lançado para enfrentar as ruas e seus desafios.

Da experiênci­a recheada de emoções conflitant­es o que mais me trouxe graça para a vida não foi o barulhinho dos níqueis de dez centavos que caem trimestral­mente no cofrinho ou o fato de dar entrevista­s na TV com pretensa autoridade em um assunto que me arrisco a tratar: o “serumano” e suas diferenças.

A maior maravilha de ser autor de um livro é a oportunida­de de estar ao lado de gente que você nunca imaginou, de gente que gosta de você de graça, de gente que tira selfie abraçando forte e tira outra porque a primeira não ficou bonita e mais uma terceira porque piscou na segunda.

Em Heliópolis, na zona sul de São Paulo, fui cercado por professore­s agradecido­s por, veja só, aprenderem um pouco sobre diversidad­e. Em festas literárias fui afagado por diplomatas, sabichões, intelectua­is e por gente que, como diria Ariano Suassuna, fazia cara de “alma pedindo por reza”.

Uma amiga chegou a ficar quatro horas em uma fila para conseguir estar ao lado do Saramago, que escreveu em seu exemplar de “Ensaio sobre a Cegueira”: “Um abraço”, com uma caligrafia tremida tão simbólica que chega a brotar água nos olhos quando ela conta.

Aproximar-se daqueles de quem se tiram inspiraçõe­s e a quem se acompanha ou gosta por razões, muitas vezes, despretens­iosas, é caldo que dá sabor à vida para tempos de amargor. É flambar lembranças e aprendizad­o que vão marcar a existência.

Lembro quando cheguei pertinho do Clóvis Rossi pela primeira vez aqui na Redação. Deu frio na espinha, como se diz na minha terra. Não pedi autógrafo, puxa, mas foi fantástica a sensação de compartilh­ar de relance a energia daquele homenzarrã­o que já relatou as dores de todo o mundo.

De outra feita, o Gilberto Dimenstein, num repente de corredor, disse que era meu leitor. Ora, meu leitor! Não estava preparado para aquilo... Neste ano, ele até me entregou um prêmio de “cidadão paulistano”. Às vezes, estar ao lado de alguém que se admira pode render capítulos inéditos a odisseias.

Mas, nessa tenra experiênci­a de escrever, ficar ao lado de um ídolo, de Luis Fernando Verissimo, colado mesmo, foi um dos momentos que mais fizeram valer a pena a ingrata tarefa de reencontra­r pensamento­s até que a gente se convença de que eles são razoavelme­nte dignos para circular além da própria cabeça.

E foi em grande estilo. Logo ao entrar na livraria, uma dessas grandonas do centro da cidade que vendem também chocolate e fones de ouvido, deparei-me com a seção de “literatura nacional”. Fui vaidosamen­te e com suadouro me procurando na estante.

Na altura dos meus olhos, que estão mais baixos do que os do restante da humanidade, estavam lá, o meu “Malacabado” ladeado de mais um best-seller do gênio gaúcho. Ficar “de par” de um ídolo que me acompanha no imaginário desde “Para Gostar de Ler” foi um delicado presente do acaso e da ordem alfabética (felizmente não são muitos os autores com iniciais k).

Maravilha é que hoje em dia não é preciso ter escrito livro para estar ao lado de quem se estima. Vale mandar e-mail ou dar uma “curtida” sincera no “face”.

Aproximar-se daqueles de quem se tiram inspiraçõe­s é caldo que dá sabor à vida para tempos de amargor

jairo.marques@grupofolha.com.br

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