Folha de S.Paulo

Ambiente e a armadilha do cresciment­o

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A POLUIÇÃO é o preço do progresso, diziam muitos cientistas sociais brasileiro­s na década de 1980, ignorando os danos ao ambiente que chegaram a levar a cidade de Cubatão, no Estado de São Paulo, a ser chamada de Vale da Morte.

Na China, hoje, a vida é regrada pelos aplicativo­s que dão o nível de poluição no dia. Em cidades como Xangai ou Pequim, em dias de poluição muito forte, as escolas mandam as crianças ficar em casa.

Na NYU Shanghai, no e-mail de boas-vindas já avisam que o prédio da instituiçã­o conta com modernos filtros de ar e têm monitorame­nto constante do nível de partículas no ar. Muitos dos meus colegas usam máscaras nos dias de pior poluição, e a palestra de um cientista que explicava as consequênc­ias da poluição no organismo teve gente saindo pelo ladrão.

O pacto social implícito entre o Partido Comunista e a sociedade é bastante simples: enquanto o partidão continuar entregando progresso, não há razão para grandes revoltas. A última delas, na praça Tiananmen, em Pequim, em 1989, deixou centenas (ou milhares, ninguém sabe ao certo) de mortos, com o governo decretando estado de sítio.

Não coincident­emente, os anos de 1989 e 1990 foram os últimos de “recessão”, com a economia crescendo somente 4% nesses anos, um medo sobre projeções futuras de cresciment­o. A economia decolou e cresceu constantem­ente, com nenhum ano abaixo dos 8% de cresciment­o, até 2012.

A“queda”docrescime­ntoeomedo de uma crise, em 2015, ainda deixam a economia em posição muito melhor que a do final dos anos 1980, já que a projeção de cresciment­o é de mais de 6% ao ano, pelo menos até 2021.

Mas o contrato social está mudando. Afinal, de que adianta cresciment­o econômico se você pode ter problemas respiratór­ios ou mesmo morrer por causa da poluição?

Um exemplo é Pequim. A embaixada americana publica de hora em hora a qualidade do ar na cidade, com indicadore­s de partículas finas PM2,5, que criam as névoas de poluição e podem causar diversos Concentraç­ão do partículas poluentes às 8h em Pequim, em μg/m³ 472 problemas respiratór­ios. Os critérios normais são que até 50 partes por metro cúbico não são nocivos, com valores acima de 500 tão ruins que os medidores normais não conseguem 573 mensurar adequadame­nte.

No caso de Pequim, a média foi de 84 no primeiro trimestre de 2017, com quase um terço dos dias apresentan­do índices acima de 100, nocivos a pessoas sensíveis, e 11 dos 90 dias tendo índices acima de 200, que a Organizaçã­o Mundial da Saúde considera como muito insalubre, causando aumento generaliza­do de doenças respiratór­ias.

A China ainda é o país que mais polui no mundo (embora, por pessoa, o título ainda seja dos EUA). Mas mudanças ocorrem cada vez mais rápido, pois caso contrário a reação da sociedade à poluição pode colocar em risco a sustentabi­lidade do Partido Comunista Chinês.

A China, que até 2015 inaugurava uma nova termelétri­ca a carvão a cada semana, em 2016 apresentou queda de quase 5% no consumo de carvão, embora esse recurso extremamen­te poluente ainda seja 62% das fontes de energia do país.

Como tudo na China, a evolução não é linear. O governo federal não é todo-poderoso. Para cada iniciativa que busca a sustentabi­lidade ambiental, como a criação do primeiro mercado de títulos corporativ­os “verdes”, que em 2016 permitiu a empresas captar US$ 36,9 bilhões, ou subsídios à energia solar e eólica, temos governos locais ignorando as regulações mais básicas, como impedir o despejo direto de rejeitos químicos em rios.

Diferentem­ente do Brasil, com suas leis ambientais de Primeiro Mundo e a maior bacia hidrográfi­ca do mundo, na Amazônia, a China é um país com pouca água potável, já tendo destruído a maioria dos seus rios.

Mas numa coisa somos iguais. Muitas políticas ambientais fazem sentido social e político, mas diversas vezes esbarram em interesses econômicos muito curto-prazistas. Conciliar cresciment­o econômico com desenvolvi­mento socioambie­ntal não é só uma bandeira vazia para o Partido Comunista mas uma condição necessária para sua sobrevivên­cia.

Conciliar cresciment­o com desenvolvi­mento é condição necessária para a sobrevivên­cia do PC Chinês

RODRIGO ZEIDAN

Folha

folha.com/paradoxosd­achina

 ?? Rodrigo.zeidan@nyu.edu Wang Zhao - 21.dez.2015/AFP ?? Mulher com máscara anda de bicicleta em dia de alerta vermelho contra poluição no centro de Pequim
Rodrigo.zeidan@nyu.edu Wang Zhao - 21.dez.2015/AFP Mulher com máscara anda de bicicleta em dia de alerta vermelho contra poluição no centro de Pequim

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