Folha de S.Paulo

‘Trump está disposto a risco maior do que esperamos’

- ISABEL FLECK

A tensão vivida durante os 13 dias em que os EUA estiveram mais perto de uma guerra nuclear —na Crise dos Mísseis em Cuba, em outubro de 1962— se repete agora em câmera lenta com a escalada retórica e militar entre Washington e a Coreia do Norte.

A comparação é do historiado­r Graham Allison, que leciona em Harvard e assessorou secretário­s de Defesa nos governos do republican­o Ronald Reagan (1981-89) e do democrata Bill Clinton (1993-2001). No deste último, foi peça importante nas negociaçõe­s com a Rússia para reduzir o arsenal nuclear do rival de Guerra Fria.

“A Crise dos Mísseis de Cuba é a analogia mais próxima e o melhor exemplo para entender o que está acontecend­o e o que pode acontecer”, disse Allison à Folha, lembrando que o então presidente John Kennedy escolheu uma opção que considerav­a ter 1 chance em 3 de evitar o confronto com os soviéticos.

“O cenário hoje é extremamen­te perigoso, e não acho que tenhamos que esperar que [o presidente Donald] Trump esteja menos disposto a correr riscos do que o Kennedy”, afirma. “Os riscos que Trump está disposto a correr são muito maiores do que podemos imaginar.”

A diferença básica entre os casos, diz, é o interlocut­or. Na Guerra Fria, Kennedy conseguiu negociar com o líder soviético Nikita Khrushchev a retirada dos mísseis de Cuba em troca do compromiss­o americano de não invadir a ilha e de retirar seus mísseis Júpiter da Turquia.

“O caso atual é complicado porque com a Coreia do Norte há um diálogo de surdos, e com a China, que é a parte mais responsáve­l, não há sucesso”, diz Allison, 77.

O especialis­ta afirma que a proposta de sanções à Coreia do Norte que afetem as vendas de petróleo, como queriam os EUA, só teria chance de sucesso com o total comprometi­mento chinês —o que, por ora, não ocorreu.

“Cerca de 90% do petróleo da Coreia do Norte vem da China. Se a China for convencida a limitar essa exportação, isso pode chamar a atenção do [ditador norte-coreano] Kim Jong-un para que ele mude seu comportame­nto. Mas Pequim não tem mostrado disposição em fazer isso”, diz o especialis­ta. Na segunda (11), Pequim, com Moscou, vetou o plano dos EUA no Conselho de Segurança.

Diante do impasse com a China e da instabilid­ade representa­da por Kim Jong-un, Allison diz que Trump deveria considerar a opção dada por Pequim e Moscou: Pyongyang congelaria seu programa nuclear e EUA e Coreia do Sul interrompe­rem seus exercícios militares conjuntos.

“atacar a Coreia do Norte, Xi sabe que pode começar uma nova guerra da Coreia. E desta vez [o conflito] poderia incluir a China, algo impensável”

GRAHAM ALLISON

historiado­r

 ?? KCNA/AFP ?? O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, posa com professore­s voluntário­s em foto sem data divulgada nesta terça (12)
KCNA/AFP O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, posa com professore­s voluntário­s em foto sem data divulgada nesta terça (12)

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