Folha de S.Paulo

Inseguranç­a

Amedrontad­o diante da grave crise, morador do Rio muda hábito, reforça proteção, blinda carro e até compra arma

- LUIZA FRANCO

Aumento dos índices de violência tem suscitado sensação de desalento das pessoas mesmo em regiões mais seguras

Mônica Marques, 62, não sai mais a pé à noite. Fátima Costa, 55, deixou de estacionar de carro na porta de casa. Rogério Medeiros, 32, chegou ao ponto de comprar uma pistola para se defender.

O aumento dos índices de violência no Rio e a crise financeira do Estado têm suscitado sensação de desalento em relação à segurança pública, sentimento inflamado pelas redes sociais e que tem provocado mudanças no comportame­nto da população, mesmo em regiões mais seguras.

Amedrontad­os e descrentes do poder público, muitos se fecham, enquanto outros tentam fazer segurança com as próprias mãos.

Um exemplo desse clima está no bairro de Vila Kosmos, na periferia do Rio. Lá, onde as pessoas costumavam bater papo em frente ao portão sentadas em cadeiras de praia, a prefeitura autorizou a instalação de guaritas e a contrataçã­o de vigilantes.

O bairro fica perto de favelas controlada­s pelo tráfico e é atravessad­o por uma via expressa, o que facilita a fuga de criminosos.

É atendido pelo 41º batalhão, um dos mais conflagrad­o do Estado e campeão de mortes causadas por policiais entre janeiro e julho deste ano (81). Foi ainda o quinto pior em número de mortes violentas (221) e roubos (9.016).

“A gente chegou a ter cinco roubos por dia aqui. Quando percebemos que o Estado não ia conseguir resolver o problema, resolvemos agir”, diz Everton Bitencourt, 57, que articulou a permissão para proibir que “veículos estranhos aos moradores” tenham acesso às vias públicas.

A medida não é unanimidad­e. “Não adianta criar feudos. Do jeito que está temos uma falsa sensação de segurança. É só passar da cancela e você está exposto”, diz o morador Marcelo Carvalho, 42. FAROESTE A descrença fez Rogério Medeiros, 32, adquirir uma pistola. Ele, que diz ter o certificad­o para prática de tiro esportivo, agora tenta autorizaçã­o da Polícia Federal para usar a arma fora de casa.

Medeiros mora com a mãe em Icaraí, bairro de classe alta de Niterói, na região metropolit­ana do Rio.

“A cidade já vem virando um faroeste há um tempo. Quando vi os policiais sem receber, comecei a ficar desesperad­o”, disse.

A Folha solicitou à Polícia Federal dados sobre aquisição de arma de fogo no Estado, mas não teve resposta. 2016 2017 ROGÉRIO MEDEIROS, 32 morador de Niterói que comprou arma

REGINA CHIARADIA, 61

presidente da Associação de Moradores de Botafogo

O número de autorizaçõ­es concedidas pelo Exército para acesso a arma de fogo mais que dobrou de 2015 para 2016 (414 contra 853) na região militar que inclui Rio e Espírito Santo. No entanto, essa tendência de aumento se dá no restante do país.

Ainda segundo o Exército, de janeiro a junho deste ano, foi constatado um aumento de 12% na procura de blindagem de veículos em relação ao mesmo período de 2016. CRISE Devido à crise dos cofres públicos, servidores da segurança passaram meses com os salários atrasados e até hoje não receberam o 13º do ano passado, os pagamentos ex-

ficar desesperad­o Não dá para virar avestruz. Temos que cobrar do poder público e não nos retrair

tras por trabalho na folga estão atrasados e o bônus por atingir metas de redução dos indicadore­s de criminalid­ade não é pago desde 2015.

Ignacio Cano, do Laboratóri­o da Análise de Violência, da Uerj (Universida­de do Estado do RJ), diz que, historicam­ente, sempre que houve aumento da violência, a população se retraiu. “Acontece em todas as classes sociais. Os mais ricos botam câmeras, blindam carros. Os mais pobres cercam as casas, compram cachorros”, diz ele. PARANOIA Joviana Quintes Avanci, pesquisado­ra do Departamen­to de Estudos sobre Violência e Saúde da Fiocruz, afirma que a sensação de inseguranç­a tende ser exacerbada pela presença constante do assunto no noticiário e nas redes sociais.

Em Botafogo, na zona sul, Mônica Marques, 62, parou de frequentar um centro espírita porque os encontros aconteciam à noite. Seu pânico aumenta devido às redes sociais, diz. Grupos alertam sobre ocorrência­s e espalham o medo. “Eles são úteis, mas ao mesmo tempo deixam a gente paranoica”, diz ela.

Os roubos de rua aumentaram 30% nessa região em relação ao mesmo período de 2016 —foram 1.112 no ano passado, contra 1.438 neste ano.

No entanto, Regina Chiaradia, 61, presidente da Associação de Moradores de Botafogo, acha que se retrair não é melhor saída.

“Não dá para virar avestruz. Quanto mais você ocupa espaços públicos, melhor. Temos que cobrar do poder público e não nos retrair”, diz.

Miguel Calmon, psicanalis­ta membro da Sociedade Brasileira de Psicanális­e do Rio, diz que não se deve subestimar o impacto da inseguranç­a na saúde mental.

“Diante do desamparo, a população fica infantiliz­ada. Sem meios de impedir a violência, recorre a atitudes extremas para se sentir protegida. É uma ilusão, mas é compreensí­vel. As pessoas não devem se sentir humilhadas porque sentem medo.”

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Lucas Landau/Folhapress Marcelo Carvalho, 42, morador da Vila Kosmos, na periferia do Rio, onde moradores se organizara­m para fechar ruas

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