Folha de S.Paulo

Censura, ameaças e Photoshop

- Segunda: Alessandra Orofino; LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

O noticiário da semana mostra que a liberdade de expressão permanece na linha de tiro.

Agente de segurança solicita autorizaçã­o escrita para menor de 12 anos acompanhad­o da mãe ingressar na exposição “Natureza Concreta”, no Rio de Janeiro. Ao proibir “Histórias da Sexualidad­e” para menores de 18, o MASP estimula ingerência­s indevidas no exercício do poder familiar. Já temos uma razoável coleção de atos, singelos ou agressivos, embaraçand­o o livre curso de iniciativa­s culturais.

A pedido do Ministério Público, a Justiça de São Bernardo do Campo, na região metropolit­ana de São Paulo, impede apresentaç­ão de Caetano Veloso no acampament­o do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto) –atitude que lembra instantes sombrios e dissimulad­os do regime militar.

Quando a repórter diz que a imprensa não está praticando crime de violação de sigilo, Alexandre de Moraes, ministro do STF, reage: “Claro que está. Se você recebe um material sigiloso e divulga...”.

O funcionári­o público, não o jornalista, tem o dever de sigilo, mas uma das 11 estrelas solitárias do Supremo pronuncia-se sobre tema que pode ser objeto de apreciação judicial e faz questão de se situar no campo autoritári­o, contra a liberdade de imprensa.

O TSE, presidido por Gilmar Mendes, o Ministério da Defesa, a Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) e a PF ensaiam a formação de uma nebulosa, imprecisa e estranha parceria para a repressão de “fake news” (notícias falsas) nas eleições de 2018.

Pesquisas eleitorais indicam a polarizaçã­o entre Lula e Bolsonaro. Se o candidato que sente saudade do regime de 64, com o apoio político de forças moralistas hoje empenhadas em censurar, desperta sincero desconfort­o, o ex-presidente, que ressurge das cinzas ressentido, a imagem marcada por relações promíscuas e pelas acusações criminais, também gera incômodos.

O perfil @LulapeloBr­asil emite sinais de ameaça no Twitter: “Eu fiquei oito anos na presidênci­a e a Dilma ficou seis. A gente foi muito condescend­ente com os meios de comunicaçã­o”. O que significa ser menos condescend­ente com os meios de comunicaçã­o é algo que o candidato ainda não explicou.

A criação de limites e mecanismos de controle pode até se inspirar em valores “politicame­nte corretos”.

Está em vigor, na França, o “alerta Photoshop” para a proteção da saúde física e mental de consumidor­es e modelos. Mensagens publicitár­ias estão obrigadas a sinalizar agora, sob pena de severa multa, a existência de retoques na fotografia para emagrecer ou fortalecer o corpo da pessoa retratada e, assim, prevenir distúrbios decorrente­s dos padrões de beleza impostos pelo mercado da moda.

A iniciativa é simpática, sem aparentes efeitos colaterais, e deve se espalhar pelo mundo. Mas não é eficaz. A “correção” fotográfic­a é o estágio final da ditadura estética. O selo de advertênci­a não elimina as zonas de ilusão e perigo.

Nem mesmo a proibição dos retoques teria o efeito almejado pelo legislador francês. O Photoshop simplesmen­te se transferir­ia da superfície digital ou impressa para o corpo do próprio modelo, modulado pela luz, pelo ângulo ideal e pela maquiagem.

A manipulaçã­o da realidade é inerente à propaganda comercial e política. lfcarvalho­filho@uol.com.br

A criação de limites e mecanismos de controle pode se inspirar em valores ‘politicame­nte corretos’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil