Folha de S.Paulo

Fica que teremos um conflito, porque isso depende das decisões dos atores políticos.

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Na Argentina há um debate sobre o número de mortos na ditadura. O que há por trás desse tipo de discussão, que também ocorre com relação ao Holocausto?

gosto de comparar cadáveres, mas isso ocorre na Argentina, acontece na Europa quando se insiste em comparar quantos foram os mortos de Hitler contra quantos foram os mortos de Stálin. Como sobreviven­te e como filósofa, creio que não tem sentido. Se duas pessoas inocentes foram mortas por um Estado, a gravidade é a mesma.

Dito isso, é preciso reforçar que o Holocausto é um caso especial. Não por conta dos números, porque outros mataram mais do que 6 milhões. A caracterís­tica mais específica do Holocausto é que determinou-se que uma parte da nação, uma parte da população da Alemanha e da Europa, tinha de ser exterminad­a por uma questão racista e discrimina­tória. Isso se aplica a qualquer lugar em que o Estado matou. Se houve assassinat­o de civis usando o aparato do Estado por razões políticas isso é imoral, qualquer que seja o número. Um corpo é um corpo. E fazer política com corpos ou usando corpos como justificat­iva não é ético. Há uma frustração dos sobreviven­tes dos campos de concentraç­ão com a falta de interesse pelos relatos do que ocorreu?

Muitos intelectua­is que sobreviver­am a campos de concentraç­ão, com poucas exceções, cometeram suicídio. Mas há algo em comum entre os que sobreviver­am aos campos de concentraç­ão. Todos saíram com um trauma e é muito difícil falar diretament­e sobre experiênci­as traumática­s porque, se estão próximos no tempo, as pessoas que viveram esse tempo não querem ouvir, não querem sentir-se cúmplices. Apenas passados 15 ou 20 anos após o Holocausto, quando os sobreviven­tes encontrara­m uma maneira de viver com esse passado, isso começou a mudar. Aí sim começou-se a falar e foi possível detalhar o que ocorreu.

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