Folha de S.Paulo

Em ‘The Good Place’, o paraíso bugou

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NÃO PARECE à primeira vista, mas há conforto no caos proposto por “The Good Place”, série aqui exibida pela “Netflix” estrelada por Kristen Bell (“Veronica Mars”) e Ted Danson (“Cheers”, “CSI”) que joga com o absurdo para tecer um crítica mordaz da sociedade americana ao desenhar um paraíso onde as coisas não funcionam tão bem assim.

Com algoritmos operando ininterrup­tamente para mapear nossas vontades, afinal, faz bem à saúde mental ver uma comédia cutucar nossa vida cheia de parâmetros e mostrar que quase sempre cálculos minuciosos terão resultado bizarro.

Quem aprecia “The Office” (200513) e “Parks and Recreation” (200915) vai reconhecer a mão de Michael Schur, roteirista das duas e ator ocasional da primeira (era ele o estranho primo Moses de Dwight).

Como as demais, “The Good Place” é produzida nos EUA pelo canal NBC e está no meio da segunda temporada (na Netflix ela chegou sem alarde em 21 de setembro, com o primeiro ano todo no ar e o segundo no compasso da exibição americana).

Pois Schur agora volta com uma espécie de versão em teste beta do paraíso, o “bom lugar” do título.

Michael, o anjo-gestor vivido por Danson, é um burocrata pusilânime que bem poderia habitar uma das outras obras do roteirista, idealista como a Leslie de “Parks” e inepto como o Michael de “The Office”.

Sua mais nova tutelada, Eleanor (Bell), está ali por erro do mecanismo de seleção, que atribui pontos a cada ação terrena (é de Schur, aliás, o roteiro de “Nosedive”, primeiro e genial episódio da temporada mais recente de “Black Mirror”).

Embora todos no Lugar Bom pareçam ter garantido seus pontos com feitos louváveis em vida, o efeito de suas boas ações ou a motivação para elas é algo por responder.

Há, por exemplo, a milionária de origem paquistane­sa criada em Londres Tahani (Jameela Jamil), cujo propósito maior para organizar eventos beneficent­es era superar a irmã genial. Ou o professor de ética nigeriano formado em Paris Chidi (William Jackson Harper), cuja grande obra é um livro impossível de ler até para um ser divino.

É Chidi o melhor personagem, o parceiro designado para Eleanor que terá que ajudá-la a se aprimorar (ela foi, na melhor das hipóteses, egoísta em vida), mas ao mesmo tempo se verá obrigado a burlar o sistema, um desafio à sua ética.

A série tampouco deixa de tocar na nossa obsessão por tecnologia e autômatos, presentean­do-nos com Janet (D’Arcy Carden), a auxiliar de Michael que parece uma versão celestial

Comédia do roteirista de ‘The Office’ e ‘Parks and Recreation’ questiona obsessões modernas

da Siri criada por Steve Jobs.

Há humor velado com um segmento da população que muitos vamos reconhecer, aquele que abraça causas humanitári­as e ambientais apenas porque tem tempo e dinheiro para fazê-lo e porque pega bem —desde que não precise dedicar a elas um grande entendimen­to.

Não à toa o “bom lugar” desta comédia é diverso em etnia e gênero, mas só os abastados de cada tribo chegam lá. A tal meritocrac­ia, parece, tem seus bugs e subversões.

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Kristen Bell, William Jackson Harper e Ted Danson em cena da série

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