Folha de S.Paulo

Temer esfriou o próprio café

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BRASÍLIA - Em 1994, Itamar Franco fez um pedido insólito para o gabinete presidenci­al. A poucas semanas de deixar o cargo, ele resolveu brincar com a maldição do café frio que assombra políticos em fim de mandato. Gaiato, encomendou uma garrafa térmica e passou a exibi-la a quem o visitava.

Michel Temer não tem o mesmo senso de humor, mas esfriou o próprio café nesta segunda-feira. Com um ano e 55 dias pela frente, ele antecipou o fim do governo ao admitir que a reforma da Previdênci­a não deve mais ser aprovada.

Em discurso para deputados da base, o presidente tentou se eximir de culpa pela provável derrota no Congresso. Preferiu responsabi­lizar a sociedade e a imprensa, para a surpresa de aliados que o ouviam.

“Se em um dado momento a sociedade não quer a reforma da Previdênci­a, a mídia não quer a reforma da Previdênci­a e a combate e, naturalmen­te, o Parlamento, que ecoa as vozes da sociedade, também não quiser aprová-la, paciência”, disse.

Ao buscar culpados fora do palácio, Temer omite que a reforma quase foi aprovada no primeiro semestre, quando já era rejeitada por 71% dos brasileiro­s. A diferença é que o governo ainda tinha apoio suficiente para aprovar medidas impopulare­s.

Quem implodiu esta maioria parlamenta­r foi o próprio presidente, que abriu o Palácio do Jaburu para ser gravado por Joesley Batista. Seus aliados completara­m o serviço ao serem presos com malas e apartament­os abarrotado­s de dinheiro.

Temer queimou o capital político que lhe restava para barrar as duas denúncias da Procurador­ia. Conseguiu se manter na cadeira, mas perdeu as condições de cumprir a principal promessa que fez ao mercado.

Depois de ensaiar uma delação, Eduardo Cunha agora diz que Temer foi vítima de “prova forjada”. Com um defensor desse, o presidente não precisa de ninguém para acusá-lo.

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