Oposição comemora, mas pode ter de melhorar em 2018
Foi quase um déjà vu: um ano depois de a promessa de “tornar a América grande de novo” levar Donald Trump à Casa Branca, os eleitores americanos ouviram outro candidato defender mais rigidez com imigrantes ilegais, prometer empregos e criticar adversários pela apatia diante da violência urbana.
Desta vez, o resultado foi outro. Na noite de terça (7), o democrata Ralph Northam foi eleito governador da Virgínia, Estado colado à capital, Washington, e importante termômetro eleitoral por variar sua preferência partidária.
Com seu discurso pela economia dinâmica e o compromisso de manter estátuas de líderes confederados que tem sido removidas por todo o país pela associação com o passado escravocrata, o republicano Ed Gillespie perdeu.
“Não acho que isso seja o melhor a ser feito com os impostos dos cidadãos”, disse Gillespie sobre a derrota.
Não foi a única vitória do partido. Na mesma noite, os democratas reelegeram com 39 pontos percentuais de margem o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, levaram o governo de Nova Jersey e conquistaram Executivos e Legislativos locais país afora.
“Não foi uma onda democrata; foi um tsunami”, festejou o deputado democrata David Toscano, da Virgínia.
Analistas evitaram o otimismo, mas confirmam o bom momento do partido, que volta a respirar depois da derrota nas eleições presidenciais de 2016 e vê uma oportunidade na desaprovação a Trump, que chega a 60%.
“A explicação [para os resultados] é uma reação a Trump e ao trumpismo, pura e simplesmente”, afirmou Larry Sabato, professor na Universidade de Virgínia.
Gillespie, o perdedor, integra o establishment do partido republicano e foi assessor do presidente George W. Bush. Como candidato, porém, assumiu bandeiras típicas de Trump, levantando questões como imigração ilegal e gangues urbanas.
O resultado foi que milhares de cidadãos da Virgínia, onde o voto não é obrigatório, foram às urnas, mas, para se opor a Gillespie.
“Acabemos com o dissenso, com a política que dividiu esse país”, afirmou Northam, o eleito. “Vamos construir uma comunidade que funcione para todos, não importa quem seja ou de onde venha.”
A maior parte dos votos para o democrata veio do norte da Virgínia, exatamente nos subúrbios de Washington, onde fica a Casa Branca.
“Se você se volta contra os valores de sua cidade natal, sua cidade resistirá”, disse De Blasio, em Nova York, aludindo ao nova-iorquino Trump. LIMITES Para alguns, as eleições de terça expuseram os limites do trumpismo. Segundo o cientista político John Hudak, o resultado indica que a resistência a Trump é forte em boa parte do eleitorado.
“Uma eleição é decidida por vários fatores. Mas narrativas são contagiosas, e nem tudo em política é local”, diz o pesquisador da Brookings Institution, de Washington.
Isso não significa, porém, que o caminho democrata será fácil. O partido está tomado por rachas internos e sofre de uma crise de identidade depois da derrota de Hillary Clinton em 2016.
“Esta eleição não nos diz o que vai acontecer [nas legislativas de] 2018”, diz Hudak.
Alguns republicanos minimizaram o resultado de terça, e lembraram que boa parte destes distritos já havia preferido Hillary em 2016.
“É um ciclo típico; já aconteceu em outras eleições”, afirmou o senador Thom Tillis. “A questão é se vamos conseguir reverter essa tendência no ano que vem. Mas não estou preocupado: eu gosto de uma boa briga.”
Há, contudo, apreensão: “A noite passada [terça] foi um referendo [sobre Trump]”, disse o deputado republicano Scott Taylor, que conclamou colegas a refletirem sobre o rumo do partido.
Um ano após Donald Trump conquistar a Casa Branca, os democratas marcaram vitórias concretas no placar e obtiveram os sinais mais fortes, até agora, de que a insatisfação com Trump do eleitor branco escolarizado pode colocar em risco a posição dos republicanos nas eleições legislativas de 2018.
Mas a maior diferença das vitórias de terça para vitórias republicanas anteriores é enganosamente simples: estas eleições ocorreram em terreno neutro ou pró-democrata. Por isso, não é evidente que o desempenho desta semana represente melhora significativa da oposição.
Em 2018, os democratas nem sempre terão o luxo de concorrer em locais favoráveis, e, para obterem a maioria na Câmara, hoje majoritariamente republicana, será necessário fazer mais.
Sim, os resultados de terça são compatíveis com uma eleição “de lavada”, como a que levou os democratas ao controle da Câmara em 2006 e a que os tirou dele em 2010.
E as condições para isso estão presentes: a aprovação do presidente oscila abaixo de 40%; os democratas têm vantagem de quase dois dígitos nas sondagens; o partido na Casa Branca costuma sofrer nas eleições de meio de mandato presidencial.
São condições que vigoravam desde o início do ano, mas até então as disputas mais importantes nas urnas haviam acontecido em distritos que votaram em republicanos para presidente por margem de ao menos 15 pontos nas últimas eleições.
Já a Virgínia elegeu Hillary Clinton em 2016 e, antes disso, Barack Obama. Nova Jersey e distritos em Washington e Nova York, além do Estado do Maine em geral favorecem democratas.
Isso não quer dizer que esses resultados devam ser ignorados. A soma de votos de eleitores brancos de nível superior completo com eleitores não brancos pode por em risco o domínio republicano em distritos ricos nos quais o partido tem vantagem.
Até agora, afinal, era razoável supor que a votação de Hillary fosse o teto para os democratas em áreas de nível educacional alto: os eleitores republicanos ali saberiam reconhecer as diferenças entre seus veteranos representantes e Trump.
Mas isso parece não ter acontecido. O republicano Ed Gillespie, que fez uma campanha forte para o governo da Virgínia, teve bem menos votos que Trump em distritos mais escolarizados.
E o avanço democrata no Legislativo do Estado, embora também em áreas que elegeram Hillary, surpreendeu.
A votação democrata, porém, muitas vezes ficou aquém da marca obtida pelo partido em eleições recentes, e o quadro da Virgínia, de alta escolaridade, pode não replicar o resto do país.
Mesmo que isso ocorresse, a maioria na Câmara não estaria garantida. Logo, a grande questão em 2018 pode ser se os democratas conseguirão melhorar tanto onde Hillary venceu como nos distritos operários brancos. Sem o duplo avanço, o resultado de 2018 é imprevisível.