Folha de S.Paulo

A direita europeia e o PSDB

- MATHIAS ALENCASTRO

DEPOIS DA crise financeira de 2008, muito se falou de uma ameaça que pairava sobre a politica europeia: a falência dos principais partidos de centro-esquerda.

Deste então, o campo progressis­ta tem procurado se reinventar por diferentes caminhos: a frente ampla portuguesa, a guinada radical dos trabalhist­as britânicos sob Jeremy Corbyn, e a gradual substituiç­ão de partidos com um aparato mais tradiciona­l por novos movimentos, mais horizontai­s e dinâmicos, como o espanhol Podemos e a França Insubmissa.

Agora, o risco de obsolescên­cia foi transferid­o para a porta ao lado. São os partidos de centro-direita que se encontram em uma espiral descendent­e. Essa ideia pode parecer absurda, tendo em conta que especialis­tas antecipava­m uma vasta maré conservado­ra até pouco tempo atrás. Porém, até agora, a direita republican­a tem se mostrado incapaz de lidar com três problemas fundamenta­is.

O primeiro é a dificuldad­e em aceitar que a emergência de lideranças como Emmanuel Macron não são uma anomalia, mas uma mudança de paradigma que altera o sistema político-partidário tal como conhecemos. Com efeito, Macron, que despontou na política quando era membro do Partido Socialista francês, deu espaço no governo para os principais quadros conservado­res, que arrastaram consigo o seu eleitorado tradiciona­l.

O segundo problema é que o vazio ideológico não era tão visível quando o papel da centro-direita se resumia a substituir o da centro-esquerda no habitual sistema de rotação das democracia­s representa­tivas, sem grandes diferenças de programa ou de prioridade. Dentro do novo paradigma, a centro-direita só se destaca pelo seu anseio em ir além nas medidas de austeridad­e impostas pela União Europeia.

O terceiro problema é o mais perigoso. Os líderes de centro-direita se recusam a assumir responsabi­lidade pela ascensão dos candidatos populistas-nacionalis­tas. Antes pelo contrário: eles continuam tentando incorporar nos seus programas o ideário da extrema-direita.

François Fillon, candidato de centro-direita contra Macron, deu destaque ao grupo ultraconse­rvador Senso Comum numa tentativa desesperad­a de desviar o foco das acusações de corrupção. Por conseguint­e, os eleitores dividiram os seus votos entre Marine Le Pen, a rival de extrema-direita, e Macron. Uma humilhação histórica para o partido de Fillon, que se estimava o detentor natural do poder na França.

No Brasil, dirigentes do PSDB optaram por apoiar Aécio Neves, que está disposto a prejudicar o partido para atingir objetivos pessoais. Uma solução menos dolorosa do que o enfrentame­nto das causas estruturai­s da decadência do partido, mas potencialm­ente mais grave: o PSDB não só corre o risco de ser ultrapassa­do pelo centro como também de perder eleitorado para os extremos.

Se acabarem como cabos eleitorais de Jair Bolsonaro em 2018, seus dirigentes serão lembrados como sabotadore­s da direita republican­a.

O tradiciona­l partido vive crise de identidade semelhante à das legendas conservado­ras na Europa

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