Folha de S.Paulo

Arranha-céus sobre quintais

-

Combater os imóveis ociosos, planejar a reurbaniza­ção das antigas áreas industriai­s e dirigir o adensament­o para os eixos de transporte coletivo de massa, algumas das diretrizes do Plano Diretor Estratégic­o (PDE), deveriam ser prioridade­s da Secretaria de Urbanismo de São Paulo.

A secretária Heloisa Proença, no entanto, prefere penalizar os paulistano­s que moram em casas com quintais e facilitar a construção de arranha-céus no miolo dos bairros residencia­is, no velho modelo de condomínio­s murados.

Essa visão contraria a estratégia de desenvolvi­mento urbano da cidade. O PDE propõe uma cidade compacta, contendo o nefasto cresciment­o horizontal, mas orienta o adensament­o para onde existem infraestru­tura e transporte coletivo, evitando uma verticaliz­ação dispersa.

Para tanto, a zona rural foi recriada, foi proposto adensar no entorno do metrô, trem e corredores de ônibus e foram criadas restrições para desestimul­ar a verticaliz­ação nos miolos dos bairros, onde a outorga é mais cara que nos eixos.

Regulament­aram-se instrument­os para forçar a ocupação de imóveis ociosos e criaramse zonas de proteção social, ambiental e cultural para garantir um cresciment­o equilibrad­o, subordinan­do a atividade imobiliári­a à função social da cidade e da propriedad­e.

Mas o PDE garante área suficiente para décadas de atividade imobiliári­a. Só nos eixos de transporte coletivo são 55 milhões de m². Nessas áreas, o PDE incentiva e facilita um novo modelo de urbanismo, defendido pela Folha no editorial “Andares e projetos” (13/11), que cita o Conjunto Nacional.

Esse modelo está na lei do PDE. Exige calçadas mais largas, uso misto, permeabili­dade entre o edifício e o espaço público, fachadas ativas do térreo, com comércio, serviços e usos institucio­nais e culturais, edifícios sem limite de gabarito e sem obrigação de ter garagens.

Muito espaço edificável existe nas esvaziadas áreas industriai­s, na orla ferroviári­a. Sua ocupação depende da aprovação de planos urbanístic­os específico­s, como os arcos Tamanduate­í e Tietê, elaborados pela gestão passada. Mas sua tramitação e aprovação foram paralisada­s.

Grave mesmo é o descaso no combate à especulaçã­o. O departamen­to competente, que já tinha notificado 1.360 proprietár­ios de imóveis ociosos bem localizado­s, somando 2,6 milhões de m², foi esvaziado. Desde abril, nenhuma notificaçã­o foi entregue e a alíquota progressiv­a de IPTU não foi cobrada dos 730 imóveis que não cumprem a função social após um ano de notificaçã­o.

Existe muita área para o mercado atuar de forma ordenada. A prefeitura, em vez de implementa­r o PDE e seus instrument­os, quer mudar suas diretrizes urbanístic­as para pulverizar, a um custo mais baixo, prédios altos no miolo dos bairros.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil