Folha de S.Paulo

À espera de final, organizada­s de Boca e River dominam arredores de estádios

La Doce e Los Borrachos del Tablón lucram com mercado paralelo de ingressos e ambulantes

- Alex Sabino

Separados por 14 quilômetro­s de distância, La Bombonera e Monumental de Nuñez, estádios de Boca Juniors e River Plate, os finalistas da Libertador­es deste ano, vivem o futebol de maneiras distintas.

No bairro pobre de La Boca, moradores se sentam nas calçadas ou na frente das casas coloridas para observar o movimento de torcedores.

Em Nuñez (embora se diga que o campo está em Belgrano), os vizinhos do maior estádio do país se trancam em casa. Vários colocam faixas nas sacadas em protesto contra vandalismo­s e tumultos que acontecem em dias de jogo.

“Paz para os moradores de Nuñez. Estamos cansados!”, diz uma delas, vista pela Folha horas antes da semifinal contra o Grêmio, na terça (23).

O que há de idêntico, além da paixão pelo futebol, é ação dos “barras bravas”.

La Doce e Los Borrachos del Tablón, as organizada­s de Boca Juniors e River Plate, se odeiam, mas agem de formas iguais nas redondezas de seus estádios. É negócio tão lucrativo que parte do núcleo que comanda as duas barras nem é torcedora de Boca ou River.

La Doce está infiltrada por gente do Almirante Brown, da segunda divisão. Los Borrachos del Tablón conta com torcedores do Sportivo Italiano (da quarta divisão) e Chacarita Juniors (da segunda).

Antes das semifinais contra Grêmio e Palmeiras a Folha acompanhou a ação das duas torcidas. Elas vendem de material pirata do clube e camisas da própria organizada, negociam ingressos no mercado paralelo e repartem o dinheiro obtido por guardadore­s de carros e ambulantes.

Todas as ruas com acessos aos estádios tinham mais de um bloqueio cada, tornando difícil a passagem para quem não tinha ingresso ou carteira de sócio do clube. Tanto Boca quanto River têm mais associados do que lugares no estádio, o que cria um lucrativo mercado negro.

Em jogos importante­s, as duas organizada­s podem ficar com até 2.000 ingressos, cedidos de forma extra-oficial por dirigentes. Uma parte dessas entradas é distribuíd­a entre amigos dos organizado­s, mas outra vai para revenda. Há também os sócios que não pretendem ir ao jogo e cedem suas carteirinh­as para os “barras bravas”.

No livro “Asalto al Mundial” (Assalto ao Mundial, sem publicação em português), o jornalista Gustavo Grabia conta que em nome do lucro, barras preferiram vender os próprios A Conmebol deve anunciar neste sábado (3) o resultado do recurso apresentad­o pelo Grêmio à comissão disciplina­r. A equipe quer os pontos da partida contra o River Plate, realizada na terça (30), em Porto Alegre. Se o pedido for acatado, os gaúchos vão à final da Copa Libertador­es. O Grêmio diz que Marcelo Gallardo descumpriu a suspensão imposta pela entidade ao ir ao vestiário no intervalo falar com o elenco. Nesta quinta (1º), a Conmebol anunciou que as finais serão disputadas em dois sábados: 10 e 24 de novembro. ingressos cedidos pela AFA (Associação do Futebol Argentino) para jogos da seleção na Copa da Alemanha, em 2006, do que entrar nos estádios.

Uma entrada para a semifinal contra o Palmeiras, nas cercanias de La Bombonera, era oferecida por 13.000 pesos (cerca de R$ 1.500). O salário mínimo na Argentina é 9.500 pesos (cerca de R$ 1.100).

Não há estimativa de quanto as organizada­s lucrarão na final da Libertador­es.

Em ruas que dão acesso ao Monumental, como Figueroa Alcorta, Guillermo Udaondo e Lidoro Quinteros, pessoas com dois celulares e rádio pareciam controlar outras, que ficavam posicionad­as nas esquinas, esperando serem procuradas por torcedores sem ingresso. Não há pechincha. O preço é aquele e acabou.

Se há acordo, o intermediá­rio sai em disparada para conversar com o superior e avisar a presença de um comprador.

O mesmo acontece nas imediações de La Bombonera, em ruas como Brandsen, Pinzón, Palos e Irala.

Nada acontece nessas regiões sem que as organizada­s fiquem sabendo ou tenham participaç­ão. No Monumental, mesmo em avenidas mais distantes como a Libertador, guardadore­s de carros agem sob a proteção dos barras, que levam uma porcentage­m.

O mesmo vale para os ambulantes que oferecem comidas, bebidas ou camisas falsificad­as do Boca Juniors. Um dos guardadore­s de carro, ao coletar 200 pesos (R$ 23) de um motorista, disse que ficaria com 20 pesos (R$ 2,30). O resto iria para os “chefes”.

Uma das lojas mais famosas que vendem material do Boca em frente a La Bombonera foi aberta nos anos 1970 por José Barrita, el abuelo (o avô), o primeiro líder da Doce que ficou conhecido do público.

Há também o culto aos “barras bravas”. Camisas, gorros e bandeiras das torcidas são procuradas por gente comum, a mesma que entoa cantos dentro dos estádios que são iniciados pelas “populares” —setores com ingresso mais barato, onde ficam os barras.

Foi Barrita quem inaugurou a lucrativa modalidade de poder das organizada­s. O presidente do Boca Juniors, Alberto José Armando, em uma estratégia peronista de gover- nar, entregou o comando das populares para La Doce nos anos 1970. Lavou as mãos. Eles eram donos do lugar.

Em troca, o cartola queria lealdade canina da barra, que logo estendeu o domínio para as redondezas do estádio.

No início deste século, a direção do River Plate chegou a apoiar a ascensão de nova facção ao poder em Los Borrachos del Tablón porque eles prometeram “limpar” as populares da venda de drogas e roubos entre torcedores.

Embora ambas vivam momentos de calma, há disputas internas pelo poder. Nos últimos 20 anos, elas já causaram assassinat­os, prisões e foram seguidas pela mídia do país. Em épocas de eleições, os barras são procurados por partidos em busca de apoio.

Ex-líder de La Doce e ainda uma das referência­s da organizada, Rafael Di Zeo se vangloria de ter agenda telefônica com os nomes mais poderosos da Argentina.

Os ganhos “externos” em dias de jogos são percebidos sem dificuldad­e, mas há outros que são mais difíceis de testemunha­r, como rifas para viagens, aluguel de ônibus e confecções de bandeiras.

Existe também a venda de camisas oficiais doadas aos barras pelos próprios jogadores, que também são pressionad­os a dar dinheiro vivo.

Atual técnico do River, Marcelo Gallardo, por exemplo, pagou seis passagens aéreas para capos da Borrachos del Tablón irem à Alemanha torcer pela seleção argentina na Copa do Mundo de 2006.

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Torcidas do River Plate (à esq.) e do Boca Juniors no Monumental e em La Bombonera antes das partidas de ida das semifinais da Copa Libertador­es
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Alejandro Pagni/AFP e Juan Marbromata/AFP

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