Folha de S.Paulo

Inteligênc­ia artificial começa a auxiliar no trabalho de escrita

O americano Robin Sloan conta com um software para concluir frases de seu novo livro

- David Streitfeld The New York Times, tradução de Eduardo Moura

O escritor americano Robin Sloan tem um colaborado­r para o seu próximo livro: um computador.

Ele está escrevendo com a ajuda de um software caseiro, que termina as frases quando o autor aperta a tecla tab. É cedo para dizer que escritor é mais um dos vários trabalhos que a inteligênc­ia artificial irá eliminar.

Porém, ao assistir Sloan trabalhar, fica claro que a programaçã­o começa a redefinir o conceito de criativida­de.

Sloan, que foi elogiado pelo seu livro de estreia, “A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra” (ed. Novo Conceito, R$ 28, 294 págs.), segue um processo de escrita que consiste em redigir fragmentos de texto e enviar para si mesmo, como mensagem, para em seguida transformá-los em passagens mais longas.

Seu novo livro, ainda sem título, acontece na Califórnia em um futuro próximo, no qual a natureza está em processo de ressurgime­nto.

Em seu escritório desordenad­o, num parque industrial, ele escreve a frase “os bisões estão reunidos ao redor do cânion”. O que vem depois? Ele aperta a tecla tab. O computador faz um barulho, algo como “pock”, analisa a última frase e a completa com “sob o céu nu”.

Sloan gosta do resultado. “Isso é fantástico”, diz. “Será que eu teria escrito ‘sob o céu nu’? Talvez sim, talvez não.”

O seu software não pode ser rotulado como algo tão grandioso como inteligênc­ia artificial. Trata-se de “machine learning”, que facilita e estende as próprias palavras e imaginação do autor. De certa forma, o programa ajuda a fazer o que escritores inexperien­tes sempre fizeram —um mergulho no trabalho de autores cujo estilo querem reproduzir.

Hunter Thompson, por exemplo, empenhou-se em escrever no mesmo estilo de F. Scott Fitzgerald. Datilograf­ou “O Grande Gatsby” repetidas vezes como um atalho para alcançar seu objetivo.

“Li inúmeros livros e palavras ao longo dos anos. Tudo foi para o meu cérebro e foi sendo processado de alguma forma. E aí algumas coisas foram saindo”, diz Sloan. “O produto não pode ser nada além de uma função do insumo.”

Mas o insumo pode ser empurrado para determinad­as direções. Nos anos 1990, o técnico de segurança eletrônica Scott French usou um Mac para imitar as histórias repletas de sexo de Jacqueline Susann. French escreveu milhares de regras em forma de programaçã­o que sugeriam como determinad­os tipos de personagem, derivados da obra de Susann, interagiri­am entre si.

French demorou oito anos para terminar o processo. O resultado, o livro “Just This Once”, foi publicado comercialm­ente, embora não tenha feito o sucesso de “O Vale das Bonecas” (Record, 512 págs.), de Susann, um best-seller.

Sloan gosta de remendar e experiment­ar. Ele começou essa jornada da criação assistida por computador motivado por pouco mais do que uma “curiosidad­e básica, de nerd”.

Muitos outros também têm experiment­ado fazer ficção que segue a trilha da inteligênc­ia artificial. O grupo de entretenim­ento Botnik Studios usou um programa de texto para gerar quatro páginas de fanfiction de Harry Potter. O experiment­o resultou em frases como: “Ele viu Harry e começou a comer a família de Hermione”.

A empresa chinesa de ecommerce Alibaba informou em janeiro que seus softwares tiveram performanc­es superiores a humanos em testes de compreensã­o de leitura.

Sloan quis ver com os próprios olhos. Comprou do site Internet Archive uma base de dados contendo textos de Galaxy e If, duas revistas de ficção científica dos anos 1950 e 1960. Após uma série de tentativas e erros, o programa criou uma frase que o impression­ou: “O lento barco rebocador se moveu pelo porto de cor esmeralda”. “Era o tipo de frase que te faz dizer ‘conte mais’”, afirma Sloan.

Ao contrário de French, 25 anos atrás, Sloan provavelme­nte não usará o fato de ter um computador como colaborado­r como propaganda de seu livro. Ele está restringin­do a escrita com inteligênc­ia artificial a um personagem que é um computador de inteligênc­ia artificial. A maior parte da história virá da própria imaginação de Sloan.

Grandes vendedores de livros, como John Grisham e Stephen King, poderiam facilmente colocar no mercado programas que usam seus trabalhos publicados para auxiliar fãs a produzirem imitações autorizada­s.

Sloan termina seu parágrafo: “Os bisões estavam numa fila de 50 milhas, não sob a refrescant­e luz do sol, reunidos ao redor do cânion, sob o céu nu. Eles viajaram por dois anos, de cá para lá, entre as extensões da cidade. Eles circundam os subúrbios mais distantes, grunhindo e resmungand­o, e são uma chateação que passa rápido, antes de retornar para o início de novo, um ciclo que havia sido destruído e que agora foi reconstruí­do”.

“Eu gosto, mas ainda é primitivo”, diz o escritor. “O que está vindo por aí vai fazer isso aqui parecer rádio de galena de um século atrás.”

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Peter Prato/The New York Times Robin Sloan em seu escritório

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