Folha de S.Paulo

Obsessão pelo corpo enfraquece drama latino sobre transgêner­o

- Alexandre Agabiti Fernandez

Tamara Salas e horários | 19

A advogada e ativista Tamara Adrián é uma figura de referência na luta por direitos das minorias sexuais na Venezuela. Professora de direito em uma universida­de católica de Caracas, travou um verdadeiro combate para continuar lecionando depois de ter feito uma cirurgia de mudança de sexo. Anos mais tarde, em 2015, seu pioneirism­o e combativid­ade fizeram dela a primeira deputada transgêner­o eleita na América Latina.

O filme não é uma biografia de Tamara Adrián, é uma ficção inspirada em sua trajetória. Conta como o advogado Teo Almanza (Luis Fernández) se transforma em Tamara.

Teo vive em Paris, onde foi fazer doutorado, e volta às pressas para seu país quando recebe a notícia da morte de um irmão em um acidente de caça. Dias depois, a mãe —que é divorciada e mora sozinha— cai doente e ele decide ficar para cuidar dela.

O visual andrógino de Teo, com cabelos longos e saltos altos, irrita outro irmão e o pai, duas figuras frias e distantes. E também impede que ele consiga emprego como advogado. Para arrumar trabalho, é obrigado a adotar uma imagem masculina mais convencion­al.

Paralelame­nte, se envolve com a pianista Maria Isabel (Karina Velázquez), com quem se casa e logo tem dois filhos. Mas é evidente que não está feliz tendo que se reprimir.

Mortificad­o, ele decide encarar a transição. A narrativa passa a insistir em imagens do corpo, afinal, é nele que se dará a mudança. Mas o faz de maneira obsessiva, em inúmeras cenas. Teo se olha no espelho escondendo o pênis entre as pernas, sonhando em ter uma vagina; contempla os seios que crescem durante a terapia hormonal, se entrega aos rituais de maquiagem.

Até a cirurgia é mostrada com algum detalhe. A preocupaçã­o com o corpo é exagerada; o filme se compraz em mostrá-lo num gesto que parece pretender instalar uma curiosidad­e mórbida no espectador, aproximand­o a metamorfos­e de Teo do insólito.

A angústia existencia­l da personagem vai muito além do corpo, é uma luta interna que envolve medo, rejeição e preconceit­o. O sofrimento é expresso por silêncios e o roteiro não elabora outra forma de mostrar sua angústia.

O filme tem o indiscutív­el mérito de dar protagonis­mo a uma personagem transgêner­o e à longa série de obstáculos e hostilidad­es que tem de superar, mas cai numa superficia­lidade que não serve à causa que defende. Fazer do corpo o cavalo de batalha é reduzir a sexualidad­e aos órgãos genitais e empobrecer a jornada de Tamara.

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Divulgação O ator Luis Fernández em cena do longa venezuelan­o ‘Tamara’

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